ONU, Onde Vais Tu?

No passado dia 23 de Abril, a Arábia Saudita foi eleita para a Comissão do Estatuto das Mulheres da ONU (Commission on the Status of Women ou CSW) para o mandato entre 2018 e 2022. A CSW, estabelecida pelo Conselho Económico e Social da ONU através da resolução 11(II) de 21 de Junho de 1946, é o principal organismo intergovernamental exclusivamente dedicado à promoção da igualdade de género e ao empowerment de mulheres, sendo que o seu trabalho documenta a realidade da vida de milhões de mulheres em todo o mundo.

A notícia até podia ter passado despercebida nos media, não fosse o caso de a Arábia Saudita ser um dos países onde as mulheres têm menos direitos e liberdades: desde não puderem conduzir a terem um guardião do sexo masculino que decida se podem casar, viajar ou estudar, as mulheres não podem votar livremente ou praticar desporto sem que restrições lhes sejam impostas, sendo um dos países onde a segregação com base no sexo ainda é prática comum.

No relatório “The Global Gender Gap Index 2016“, a Arábia Saudita ocupa o 141º lugar (0,583) num total de 144 países. Este índice avalia os desenvolvimentos das competências e liberdades das mulheres, tendo em conta indicadores económicos, educacionais, de saúde e políticos. Estas limitações à vida das mulheres não são novidade, assim como as suas características ultra-conservadoras. No entanto não foram impeditivas de que a Arábia Saudita fosse eleita com 47 votos num total de 54, tornando-se num dos 45 países com assento na CSW.

Esta nomeação da Arábia Saudita apanhou todos de surpresa (menos Portugal, onde assuntos sobre questões de género passam, quase sempre, pelos pingos da chuva) e é por isso que faz todo o sentido ler o artigo de Hera Hussain no Independent. Depois de só em Dezembro de 2015 o governo saudita permitir, pela primeira vez, que as mulheres votassem e se candidatassem para as eleições municipais, também em Março de 2017 se organizou, pela primeira vez no país, um conselho de raparigas – o Qassim Girls Council –  onde todos os oradores eram homens.

O presidente da UN Watch, Hillel Neuer, tem sido voz activa no protesto contra o resultado, caracterizando a eleição como “absurda” e “moralmente repreensível” e considerando o país árabe como “o mais misógino do mundo”. Também o primeiro-ministro belga, Charles Michel, afirmou publicamente que se arrepende de ter votado a favor da eleição da Arábia Saudita. Na Noruega, os partidos da oposição questionaram o governo acerca do seu sentido de voto. No Twitter, as reacções não se fizeram esperar. Uma rapariga saudita afirmou mesmo sentir-se “traída” com a nomeação do seu país para um cargo de tamanha responsabilidade e com o qual o mesmo não se identifica.

A pergunta mantém-se, pela voz de Neuer: “Porque é que a ONU escolheu o maior opressor das mulheres para promover a igualdade de género e o empowerment de mulheres?”.

Former U.S. Secretary of State Condoleezza Rice chats with a member of the Saudi Royal Family, Riyadh, Saudi Arabia, 2015. Photo by US Department of State / Public domain

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Mónica Canário

Research Assistant at CEI-IUL. Ph.D. Candidate in Political Science, specialisation in International Relations (ISCTE-IUL).

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