Alternative für Deutschland (AfD) coveiro do neonazismo

Os 13% conquistados pela AfD nas legislativas alemãs abriram mais um capítulo do alegado regresso dos fascismos na Europa. Na verdade, desde 1945, esta narrativa nunca deixou de estar presente, sempre que um partido político mais à direita das formações mainstream nacionais registava um resultado minimamente assinalável. Contudo, a presença consolidada de partidos considerados de extrema-direita em vários Países europeus nos últimos 25 anos tornou o aviso mais frequente e alarmista. No caso específico alemão, o legado histórico faz com que qualquer novidade vinda da extrema-direita do mondo germanófono fira ainda mais certas sensibilidades. Era assim expectável que o sucesso relativo da AfD (+8% face às eleições de 2013) despertasse mais um alerta contra o emergente neonazismo, como já tinha acontecido por ocasião das presidenciais austríacas de 2016.

Não interessa aqui entrar no debate sobre a identidade política da AfD

Em geral, são de apoiar as análises que inserem o partido na família política da Nova Extrema Direita (NED), os seja dos partidos com agenda política eurocética, anti-imigração, anti-islâmica, mas cujas raízes não afundam nos autoritarismos do período entreguerras.

O que interessa aqui salientar é a concomitância do péssimo resultado do Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD) face ao da AfD, num clima, portanto, relativamente favorável às formações soberanistas, identitárias e nacionalistas. Com o resultado de 0,4% de votos, correspondente a uma perda de quase 1 ponto percentual face às eleições de 2013, a NPD é mais um indicador do fracasso da Velha Extrema Direita (VED), ou seja, daquela família política antissistema directamente ligada ao fascismo ou, neste caso, ao nacional-socialismo histórico.

Esta constatação não teria só por si um grande valor se não contribuísse a fortalecer uma regularidade empírica que é possível registar na Europa das últimas décadas: onde a NED consolida a sua presença, a VED perde as já escassas forças de que dispunha.

Os casos são cada vez mais frequentes

No Reino Unido, o sucesso do UKIP correspondeu ao desaparecimento do British National Party (BNP). Em 2014, o líder histórico da VED inglesa, Nick Griffin, chegou até a declarar o seu voto para o partido de Nigel Farage.

Em França, a liderança modernizadora de Marine Le Pen marginalizou a VED interna à Frente Nacional. O abandono recente do partido por parte de Florian Philippot, o arquitecto da aceleração da FN rumo à NED, não significa um regresso ao passado. Ainda por cima, o próprio Jean-Marie Le Pen, considerado hoje o líder dos irredutíveis derrotados, construiu a sua carreira política na filiação da FN à NED, através da marginalização, desde os anos 70, das VEDs francesas, como o Parti des Forces Nouvelles (PFN).

Na Itália, o protótipo da NED, a Lega Nord, encontra-se actualmente numa fase ascendente e de aproximação ao populista Movimento 5 Stelle (M5S), com base nos itens comuns das agendas políticas em matéria de soberania nacional e euroceticismo. Este rumo mais recente imposto ao partido pelo líder Matteo Salvini correspondeu ao abandono da efémera colaboração com a VED representada por Casa Pound Itália (CPI) e o seu projecto de convergência “Sovranità” de 2015.

Nesta mesma linha pode ser lida também a facilidade com que Donald Trump liquidou o Steve Bannon em agosto de 2017 apesar do suporte da Alt-Right à sua campanha presidencial.

Também em Portugal é possível detectar uma dinâmica parecida. Aqui, é assinalável a facilidade com que o candidato do PSD às autárquicas de Loures, André Ventura, conseguiu trazer uma agenda de NED no centro do debate político nacional em comparação à ostracização da VED portuguesa representada pelo PNR. Embora a impermeabilidade do eleitorado português à VED seja já um dado adquirido, a ausência do PNR das autárquicas de Loures não permite avaliar comparativamente o impacto das duas agendas de extrema-direita.

Finalmente, os casos grego e húngaro suportam ainda mais esta leitura. Em Atenas, a ausência de uma NED relevante abriu uma janela de oportunidade para a VED (Aurora Dourada). Em Budapeste, a democracia iliberal de Órban desactivou o potencial de Jobbik.

Em termos gerais, contudo, não convém ainda afirmar uma relação causal estrita entre o sucesso da NED e o insucesso da VED

A concomitância é já por si um dado relevante que permite delinear os cenários futuros na área da extrema-direita:

A nível de partidos políticos, não há espaço de manobra para a VED. Existe um eleitorado consistente, abertos aos apelos antieuropeus, anti-imigração, anti-islâmicos, soberanistas e identitários. Este eleitorado não está minimamente interessado e, aliás, opõe-se, às identidades neofascistas e aos respectivos projectos antissistemas que põem em discussão a democracia liberal pluripartidária, o sistema económico de mercado livre, a pertença à Aliança Atlântica. Daqui o sucesso da NED e a sua capacidade de atrair o eleitorado da VED. Neste aspecto, alguns indicadores apontam para a possibilidade da Europa de Leste poder fornecer cenários alternativos. Contudo, até hoje, estes cenários nunca foram proporcionados por partidos da VED.

A nível de movimentos sociais, o espaço de manobra para a VED é mais consistente. Na Europa multiplicam-se os movimentos identitários, totalmente identificados com a VED (é o caso da italiana CPI) ou abertos à participação de indivíduos da VED mas não à sua liderança (é o caso do alemão PEGIDA). Esta galáxia organizativa está em contacto com os partidos da NED e funciona como incubadora de militantes e dirigentes. A fertilidade desta relação, contudo, depende muito da capacidade dos quadros oriundos da VED entenderem a necessidade de se converterem à NED. Exemplos disso são os NEDs transitados na Lega Nord já nos anos 90 do Século XX ou a modificação de linha política encetada pelos Identitários franceses. Trata-se contudo de experiências minoritárias que incidem mais na identidade das VEDs transitadas que não das NEDs receptoras.

Em conclusão, o futuro da AfD na Alemanha longe de ser o regresso do nacional-socialismo na Europa poderá ser mais uma confirmação do papel de coveiro desempenhado pela NED em relação à VED.

German federal election 2013 signage: election poster of the new party Alternative for Germany in Aachen, Germany / Photo by Túrelio / CC BY-SA 3.0 de

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Riccardo Marchi

Post-doctoral researcher at CEI-IUL. PhD in Modern and Contemporary History (ISCTE-IUL). Research interests: right-wing radicalism (political thought, parties and movements) and the relations between States and radical organizations in contemporary Europe.

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