As Origens Gregas da Biopolítica

Na academia, o conceito contemporâneo de biopolítica refere-se a duas tradições:

1) a aplicação dos conhecimentos da biologia evolutiva aos estudos sociopolíticos (e.g. sociobiologia) e

2) a filosofia política inspirada na noção de “bio-poder” de Michel Foucault, entendido como “poder sobre a vida”. Esta segunda tradição foi desenvolvida nos trabalhos da filosofia biopolítica italiana de pensadores como Agamben, Negri, ou Esposito.

O novo livro do filósofo e professor finlandês Mika Ojakangas “On the Greek Origins of Biopolitics” obriga a repensar alguns dos postulados centrais desta tradição foucaultiana.

A base biopolítica da civilização europeia

Através de uma abordagem histórico-filosófica, o livro mostra que a concepção da biopolítica como regulação da quantidade e qualidade da população para efeitos de segurança e vitalidade é tão antiga como a história do pensamento europeu. O autor revela como a filosofia clássica de Platão e Aristóteles era biopolítica, e como esta filosofia não era apenas uma faceta do pensamento clássico mas sim a base essencial do governo.

Desta forma, Ojakangas demonstra como o pensamento biopolítico foi apenas colocado em segundo plano com a ascensão do cristianismo, onde a valorização cristã do indivíduo sobre a comunidade adormeceu a filosofia governamental clássica. Foi apenas no período do renascimento que a expansão da literatura clássica grega levou ao reactivar do interesse biopolítico.

O falso diagnóstico de Foucault

Esta abordagem histórica coloca em causa a narrativa foucaultiana de que o controlo biopolítico das populações que ele identifica nos governos “neoliberais” começou com o cristianismo e com a sua essência pastoral. Na realidade, o pensamento biopolítico estava já presente na base greco-romana da civilização europeia.

Assim, o desejo de Foucault de regressar a uma ética greco-romana não traria o espírito igualitário/anti-autoridade que caracteriza a sua tradição de pensamento. Paradoxalmente, a moralidade foucaultiana tem mais de cristã do que de classicista. Trazer de volta o ethos greco-romano apenas acentuaria a ética biopolítica, pois o liberalismo ocidental contemporâneo deve boa parte da sua construção moral ao cristianismo e tal limita o desenvolvimento biopolítico.

Desta forma, Ojakangas conclui que as práticas biopolíticas que se podem identificar no actual modelo liberal – tais como os estudos demográficos ou os cartões de identidade – não são um desvio da civilização europeia mas sim um reavivar da herança clássica.

Ética e a bio-tecnologia

Este livro surge numa fase em que se discute o novo rumo político e moral que as bio-tecnologias estão a trazer. No campo da bioética, discutem-se as questões da manipulação genética e reprodutiva, com debates acesos entre proponentes destas práticas transhumanistas e os seus críticos.

No campo da relações internacionais, há já quem tema que a China – um país sem o legado cristão-liberal – estará na vanguarda da manipulação genética de forma a aumentar as suas capacidades demográficas e assim ganhar vantagens geo-políticas. Todos estes novos desafios obrigam a um repensar do ethos europeu.

O livro de Mika Ojakangas é um óptimo contributo para a reavaliação das tensões morais que afectam o presente e o futuro da civilização.

Venus de Milo, Photo by Anna & Michal / CC BY-SA 2.0

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Filipe Faria

Research associate at CEI-IUL. PhD in Politics (King’s College London). Research interests: Social and Political Philosophy, Political Economy, Biopolitics.

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