As Presidenciais Americanas: Dois Candidatos, Duas Filosofias

Nas eleições presidenciais americanas de 2016, os eleitores vão às urnas escolher entre dois paradigmas distintos. Ao contrário das últimas décadas, onde o debate se centrava mais no papel do Estado na economia ou na melhor forma de promover a democracia além fronteiras, estas eleições apresentam um carácter existencial. Subjacente a estas eleições está a pergunta que se ouve um pouco por todo o ocidente na era da globalização: quem somos nós?

Hillary e o triunfo do indivíduo

Hillary Clinton representa o modelo vigente das últimas décadas. Nesse sentido ela é a candidata conservadora (no sentido mais estreito da palavra). A sua visão para os EUA é a visão corrente, pelo menos desde que os EUA se assumiram tacitamente como império pós-nacional. Em suma, é a candidata do triunfo do Liberalismo. Não necessariamente o liberalismo económico (apesar de o seu passado mostrar que é bem menos proteccionista que Trump), mas do liberalismo moral e político, que está já numa fase madura de internalização.

Dado o seu passado, Hillary pode ser pouco convincente para muitos, mas ela sabe que é a face actual do triunfo do “indivíduo” contra as distinções de sexo, raça, religião, ou classe. Simbolicamente, depois de Obama, ela representa a próxima fase da individualização da América, e, por consequência, da individualização do mundo. Na resposta à questão “quem somos nós,” a resposta que Hillary representa é “o mundo… em proselitismo liberal.”

Trump e o “nós” particularista

Donald Trump é conhecido por não ser particularmente ideológico ou intelectualizado. Contudo, como nos lembram David Hume ou Friedrich Nietzsche, a moralidade tem uma componente fisiológica e instintiva, não sendo, assim, meramente um fenómeno imaterial.

Apesar de estar a operar num contexto americano institucionalmente liberal, Trump não revela ter instintos liberais. Tal é visível na forma como concebe a vida social e política. Exemplos abundam, mas um do mais evidentes é a declaração de que a origem étnica de um juiz (mexicano) o impede de ser imparcial em questões que envolvam conflitos de interesse étnicos. Esta negação do livre arbítrio e da plasticidade transformativa do indivíduo ataca o coração da metafísica liberal: não se é realmente livre, é-se produto de quem se é.

Sem surpresa, Trump representa a angústia existencial de uma nação à procura de quem era. Uma nação de euro-americanos que viu a sua presença demográfica reduzir-se profundamente em cinco décadas e que começa agora a perguntar-se quem é, e o que irá ser no futuro se o paradigma político não se alterar.  É esta a base de apoio a Trump. Mais do que uma reacção ao dito politicamente correcto, esta é a consequência de um sentimento de perda constante, não só internamente ao nível demográfico e de identidade, mas também externamente ao nível da sua influência no mundo.

Quando Trump repete “we don’t win anymore,” alude a este sentimento latente. Contudo,  é na resposta à pergunta “quem somos nós” que Trump marca a diferença em relação ao paradigma actual americano. Trump responde que o “nós” implica fronteiras, que o “nós” implica uma identidade com tradição, que o “nós” implica a existência do “outro” e que este “outro” nunca será “nós” independentemente do proselitismo. Em suma, Trump instintivamente traz de volta a nação particularista contra o modelo universalista do império liberal.

Política externa e o espírito da Guerra Fria

Talvez mais nenhum aspecto revele a tensão radical entre os dois paradigmas em causa como a posição geopolítica em relação à Rússia. Enquanto que Hillary mantém a tradição americana do pós-guerra de perpetuar o espírito da Guerra Fria, Trump já revelou que tem interesse em enterrar esse espírito e estabelecer uma aliança Washington-Moscovo.

Juntamente com o questionar da existência da NATO nos actuais moldes, Trump propõe um reorganizar da ordem internacional onde o ocidente estaria alinhado com a Rússia. Desta forma, o mundo não-ocidental e não-russo passaria a ser o “outro”, com particular atenção para a China.

E depois das eleições?

Os mais cépticos dirão que a política é a arte do possível e que existem muitos constrangimentos para que ambos os candidatos possam executar as visões propostas. Contudo, se há algo que podemos aprender com o passado é que as ideias não são meras entidades sem impacto na acção. Ganhe quem ganhar estas eleições, os dados estão ideologicamente e moralmente lançados para o futuro.

 Donald Trump, Hillary Clinton, Photo by Rich Girard / CC BY-SA 2.0

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Filipe Faria

Research associate at CEI-IUL. PhD in Politics (King’s College London). Research interests: Social and Political Philosophy, Political Economy, Biopolitics.

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