Das Eleições Holandesas: Algumas Hipóteses sobre o Populismo

As eleições holandesas demonstraram, mais uma vez, que na Europa não existe uma onda populista ou de extrema-direita. Existe sim, há pelo menos 25 anos, a entrada, nas cenas políticas nacionais e europeia, de novos actores que chegaram para ficar.

Longe de ser um crescimento generalizado e exponencial, a dinâmica desses actores caracteriza-se por sucessos repentinos, quebras abruptas, estagnações e até inexistências duradouras. Essa dinâmica é comum aos partidos tanto da Velha Extrema Direita como da Nova Extrema Direita, sendo nesses últimos mais impactante pelas potencialidades que eles têm em aceder à esfera do poder, influenciando decisões políticas externamente ou coligando-se nos governos.

Wilders e o cenário político holandês

O Partido para a Liberdade de Geert Wilders é exemplo dessa dinâmica, tendo registado um forte incremento nas europeias de 2009 e nas legislativas de 2010 (entre 15 e 17% dos votos) e garantido o apoio externo ao governo. A partir dai, Wilders tornou-se um ponta-de-lança da alegada maré de extrema-direita na Europa. Nos sete anos seguintes, ele entrou perfeitamente na personagem, com declarações bombásticas de comparação do Alcorão ao Mein Kampf, de denúncia do fascismo verde islâmico, de atribuição de traços soviéticos à União Europeia, de apologia do Estado de Israel como farol da Civilização no meio da barbárie, de exaltação da liderança norte-americana da NATO face à imbele Europa. A mensagem manteve-se praticamente inalterada apesar de ter sofrido algum desgaste eleitoral já nas legislativas de 2012 e nas europeias de 2014 (entre 3% e 5% dos votos).

Apesar dos alertas da comunicação social e dos opinion makers, cientistas políticos peritos no caso holandês e no populismo tinham alertado para variáveis importantes como o sistema eleitoral proporcional, a fragmentação partidária do parlamento, o carácter de coligação dos governos, o cordão sanitário ainda possível. Havia, assim, já alguma expectativa que o número de eleitores de Wilders não seria suficiente, por quanto crescente, para destabilizar o sistema.

Fechadas as urnas, a perda do VVD (-5% e -8 deputados) não foi o desmoronamento esperado e nem sequer se traduziu num ganho equivalente para a extrema-direita que subiu apenas 3% (+5 deputados). Ou seja, a viragem à direita do discurso de campanha do primeiro-ministro Rutte parece ter funcionado mais do que o extremismo verbal de Wilders.

Assim, com as presidenciais austríacas, estas legislativas holandesas arrefecem o termómetro político aquecido pelo Brexit e por Trump, proporcionam cenários mais realísticos para França e Alemanha (onde os populistas eurocéticos também dificilmente irão ganhar) e permitem avançar algumas hipóteses que merecem ser testadas.

Que futuro para o populismo de direita?

Em primeiro lugar, a demografia pode ser um desafiador sério aos populismos de direita. Nas próximas décadas, o discurso identitário, étnico ou cívico anti-islâmico, terá cada vez mais dificuldades em se impor, perante o envelhecimento das gerações “nativas” tendencialmente mais apegadas aos partidos tradicionais do sistema e o alargamento das novas gerações filhas da emigração extraeuropeia. Junto das gerações mais novas, os partidos populistas revelam-se algo apelativos entre os filhos da imigração intraeuropeia (é o caso da FN francesa), mas de todo incompatíveis com os da imigração extraeuropeia, considerados, pelos populistas, etno-culturalmente alheios à Europa.

Em segundo lugar, os partidos de extrema-direita terão que abandonar a prática de mera importação de modelos comunicativos bem-sucedidos no estrangeiros e começar a calibrar as respetivas agendas (nos temas e nos tons) com base na cultura e no sistema político nacional, visto ser a competição em sistemas presidencialistas ou maioritários, bem diferente da dos sistemas parlamentares e proporcionais.

Em terceiro lugar, o radicalismo anti-EU deverá ser repensado. Esse pode funcionar em países como o Reino Unido com tradição de desconfiança face ao Continente. Parece ser menos apelativo para eleitorados continentais descontentes e à procura de outra Europa mais que de nenhuma Europa. Nesse contexto, a proposta de pulverização da Europa nos antigos Estados Nacionais com ligações bilaterais resulta perdedora, por não garantir ao eleitor comum aquela estabilidade, mesmo que burocratizada, no mundo dos grandes espaços em competição.

O ano de 2017 não será o ano dos populismos na Europa, como agitado pela imprensa mainstream, mas pode ser o ano em que o populismo de direita começa a repensar-se. Se não tiver a capacidade de o fazer, será o fim da linha para ele nas democracias liberais e algo novo irá surgir.

Geert Wilders. Photo by Peter van der Sluijs / Public domain

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Riccardo Marchi e Filipe Faria

Riccardo Marchi is a Post-doctoral researcher at CEI-IUL. PhD in Modern and Contemporary History (ISCTE-IUL). Research interests: right-wing radicalism (political thought, parties and movements) and the relations between States and radical organizations in contemporary Europe. Filipe Faria is a Research Associate at CEI-IUL. PhD in Politics (King’s College London). Research interests: Social and Political Philosophy, Political Economy, Biopolitics.

Leave a Reply