E tudo o vento levou… !?

Todos os anos, o discurso sobre o  Estado da União do Presidente da Comissão Europeia marca a rentrée dos trabalhos dos Eurodeputados em Estrasburgo,  já que dá o mote para debaterem abertamente o trabalho desenvolvido pelo principal órgão executivo da União e para que a Comissão, Conselho e o Parlamento preparem o programa de trabalho da Comissão para o ano seguinte.

No discurso deste ano, Juncker optou por alicerçar o seu discurso numa metáfora – a Europa já ultrapassou o cabo das tormentas e tem novamente o vento a seu favor – mas tem que aproveitar a maré, sob pena de se lamentar de não fazer o que deveria ter feito.

Pouco importa se, para Juncker, a Europa se estende de Vigo a Varna (uma alusão falhada ao sonho de De Gaulle de unir o Atlântico aos Urais). Ao citar Mark Twain nesta sua mensagem de “soltar as amarras e remar”, o que importa descortinar é se esta escolha encerra uma mensagem subliminar à la Tom Sawyer, ou seja, se a infância marcada por um espírito livre, rebelde e preguiçoso, mas também curioso e astuto na evasão no seu mundo de fantasia, não será, na realidade, a Europa a várias velocidades que Juncker recusa se a Europa quiser atingir a maturidade em 2025?

A verdade é que Juncker não deixou que as suas palavras ficassem no reino da ficção: apresentou o Roteiro para uma União Mais Coesa, Mais Forte e Mais Democrática e propôs a adoção de iniciativas concretas pela Comissão Europeia em matéria de comércio (início das negociações comerciais com a Austrália e com a Nova Zelândia), cibersegurança (criação de uma Agência da União Europeia para a Cibersegurança) e indústria (a UE na vanguarda da inovação, da transição digital e da descarbonização), entre outras questões.

Para além disso, se Juncker sempre se assumiu como um federalista convicto (não fosse o Presidente da Comissão Europeia um apologista da criação de um exército europeuo discurso deste ano não deixa margem para dúvidas numa série de diferentes matérias. Senão, vejamos cinco exemplos: a criação de um Ministro Europeu da Economia e das Finanças que promova e apoie a realização de reformas estruturais nos Estados-Membros; um serviço europeu de informações que assegure que os dados relativos aos terroristas e combatentes estrangeiros sejam automaticamente partilhados entre os serviços de informação e a polícia; um Presidente da União, resultado da fusão do Presidente da Comissão Europeia e do Conselho Europeu para melhor refletir a União de Estados e de cidadãos; uma autoridade Europeia do Trabalho para garantir a equidade no mercado único; uma União bancária e o reforço do euro como moeda efetivamente única criando um mecanismo de acompanhamento técnico e assistência financeira aos Estados-membros.

Esta é a visão global de Juncker, um sexto cenário complementar aos cinco já apresentados  em Março deste ano no âmbito do lançamento sobre o Livro Branco sobre o futuro da Europa com olhos postos em 2025, mas também em 2019, ano de eleições para o Parlamento Europeu, de uma nova Comissão Europeia e do Brexit. Curioso que, sem nunca fazer referência direta ao Reino Unido, Juncker insiste que, numa União de 27 países, Estados-Membros e Instituições devem estar preparados para defender os valores europeus da justiça, igualdade e Estado de direito. Não admira, por isso, que Juncker veja 2019 como o momentum em que uma União mais democrática e próxima dos cidadãos será posta à prova, sendo por isso de rever o quanto antes as regras de financiamento dos partidos políticos e fundações, apostar em listas transnacionais para o Parlamento Europeu e organizar convenções democráticas para incentivar o diálogo dos cidadãos ao longo de todo o ano de 2018.

Por fim, não menos importante, a Europa como ator global. Juncker quer que todas as decisões de política externa passem a ser adotadas por maioria qualificada e que, até 2025, a Europa da Defesa seja uma realidade, por necessidade europeia e por vontade da NATO (“We need it. And NATO wants it”). A coincidir também com o mandato da próxima Comissão, poderá estar um novo alargamento, desta feita aos países dos Balcãs, por questões de segurança e estabilidade da vizinhança, ao mesmo tempo que afasta a possibilidade de adesão da Turquia que “há já algum tempo que se vem afastando a passos largos da União Europeia”. Sobre Schengen, Juncker incentiva a Croácia a tornar-se membro de pleno direito, logo que preencha todos os critérios e preconiza o alargamento do acordo à Bulgária e à Roménia com o intuito de reforçar a proteção das fronteiras externas da UE.

Não obstante a mensagem de ânimo e esperança que Juncker quer passar na “renovação dos seus votos”, subsiste obviamente a dúvida de saber quais as reais perspetivas de se chegar a bom porto e a todo o vapor, sem ventos cruzados ou rumos contrários! Em tese, e em retrospetiva, os ventos podem já ter levado para longe as nuvens do desemprego e da estagnação da economia, mas prospectivamente caberá sempre aos Estados-membros o vigor da efetividade das decisões ao leme, podendo mesmo exigir-se a revisão do Tratado de Lisboa para, como Juncker preconiza, desburocratizar, simplificar e democratizar. Vire-se então tudo a estibordo, que navegar é preciso!

European Parliament in Strasbourg, photo by Diliff / CC BY-SA 3.0

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Ana Isabel Xavier

Collaborator at CEI. PhD in International Relations (Coimbra University), post-graduation in Human Rights and Democratisation (Coimbra University), Master degree in Sociology (Coimbra University), Undergraduate degree in International Relations (Coimbra University). Research interests: European Union, Security & Defence, Human Security, Human Rights & Globalization

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