Estamos a virar as costas aos direitos das mulheres na Polónia

A Pólonia vive tempos atribulados no que diz respeito aos direitos das mulheres e a Europa não parece preocupar-se com isso.

A Polónia é um dos países europeus com uma política anti-aborto mais restritiva – só é permitido em casos de risco de vida da gestante, malformações irreversíveis no feto ou gravidezes que resultassem de violação/incesto -, o que tem levado muitas mulheres polacas a atravessarem a fronteira com a Alemanha para terminar uma gravidez. Desde 2011 que os protestos têm sido vários, mas só em Outubro de 2016 é que se intensificaram. As polacas fizeram greve em mais de 60 cidades como forma de protesto pela proposta de lei que pretendia a proibição total do recurso à interrupção voluntária da gravidez (IVG), incluindo “em caso de violação ou mesmo quando a vida da mulher esteja em risco”. A ala mais conservadora do país pretendia terminar as excepções e condenar as mulheres e os médicos que utilizassem a IVG a uma pena de prisão até cinco anos, uma medida que acabou por não ser aprovada.

Um ano depois, em Outubro de 2017, duas organizações não-governamentais (ONGs) que trabalhavam com vítimas de violência doméstica viram os seus edifícios serem invadidos pela polícia e o seu trabalho confiscado após participarem numa manifestação pela despenalização do aborto. As activistas referiram que estas intimidações teriam um grande impacto no seu trabalho, violando a privacidade das mulheres que lhes tinham pedido auxílio e referindo-se a uma questão de “abuso de poder”.

Neste momento, a principal preocupação com a Polónia diz respeito ao risco de vida para as mães que sejam obrigadas a levar a gravidez até ao fim. De acordo com Jaroslaw Kaczynski, líder do partido que está no poder, com o apoio da igreja católica “vamos conseguir que mesmo nas gravidezes difíceis, quando se sabe que a criança vai morrer ou que vai ter grandes malformações, as mulheres dêem à luz de forma a que a criança seja baptizada e sepultada, que tenha um nome”. Estas declarações juntam-se ainda ao fim do financiamento por parte do Estado de programas de fertilização in vitro e à limitação da utilização da pílula do dia seguinte (sendo agora necessária prescrição médica para o seu consumo).

No passado dia 23 de Março, as polacas voltaram às ruas para protestar contra uma nova tentativa do governo PiS de criminalizar o aborto na totalidade, a que se juntam investigações a abortos ocorridos de forma natural “mas considerados suspeitos” e a restrição do acesso a testes de gravidez (uma vez que podem levar à intenção de a interromper).

A Human Rights Watch (HRM) emitiu um comunicado enunciando preocupação com o retrocesso dos direitos da mulher, nomeadamente dos direitos reprodutivos, pedindo ao parlamento polaco que tenha em conta a vontade da sociedade civil e da população do país e que rejeite as medidas restritivas que pretende impor, protegendo a saúde das mulheres e, consequentemente, os seus direitos. No mesmo comunicado é possível ler que a penalização total do aborto nas condições propostas pelo governo polaco constitui uma violação de vários direitos humanos: “prohibiting women from accessing safe, legal abortion violates a number of human rights enshrined in international law, including the rights to life, health and health care, nondiscrimination and equality, privacy, and freedom from cruel, inhuman or degrading treatment.”

A legalização da IVG é um direito da mulher de decidir sobre o seu próprio corpo e em segurança. Trata-se da promoção do ajustamento psicológico, social e sexual não só para elas como também para os homens envolvidos no processo. No caso de Portugal, que viu a despenalização da IVG ser aprovada após referendo em 2007, diminuiu o número de intervenções, de reincidências e de mortes decorrentes deste processo.

Photo by ZeWrestler/ CC BY-SA 4.0

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Mónica Canário

Research Assistant at CEI-IUL. Ph.D. Candidate in Political Science, specialisation in International Relations (ISCTE-IUL).

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