Freedom in the World 2018: Retrocessos na democracia colocam Freedom House em alerta

Foi recentemente disponibilizado o novo relatório da Freedom House, que todos os anos regista e divulga os avanços e os recuos da democracia e da liberdade por todo o mundo. Este artigo está ilustrado com gráficos retirados do relatório de 2018.

O que é a Freedom House?

A Freedom House é organização de vigilância independente, fundada em 1941, que se dedica à promoção da liberdade e da democracia em todo o mundo, analisando os desafios à liberdade, defendendo direitos políticos e liberdades cívicas e apoiando activistas na linha da frente para defender os direitos humanos e promover mudança democrática. A Freedom House “reconhece que a liberdade só é possível em ambientes políticos democráticos, onde os governos são responsáveis perante o próprio povo; prevalece o Estado de Direito; e as liberdades de expressão, associação e crença, bem como o respeito pelos direitos das minorias e das mulheres, são garantidos”.

Para o relatório Freedom in the World 2018, foram avaliados 195 países e 14 territórios durante o ano de 2017. Atribui-se a cada país/território entre 0 e 4 pontos segundo 25 indicadores, podendo ir até um total de 100 pontos. Esta pontuação avalia as categorias de direitos políticos e de liberdades civis, numa escala entre 1 e 7, em que 1 corresponde a “LIVRE” e 7 a “NÃO LIVRE”. As pontuações intermédias são classificadas de “PARCIALMENTE LIVRE”.

Actualmente, mais de 2,5 mil milhões de pessoas vivem em países classificados pela Freedom House como “NÃO LIVRE”, o equivalente a mais de um terço da população mundial.

Principais pontos do Relatório de 2018

No final da Guerra Fria, o totalitarismo parecia ter sido derrotado à medida que a democracia ganhava a grande batalha ideológica do século XX. Hoje, os valores que a democracia representa – eleições livres e justas, liberdade de imprensa e Estado de Direito – estão em risco. A isto, alia-se a falta de fé e interesse por parte das gerações mais jovens no projecto democrático, tornando-os simpatizantes o até membros de partidos e movimentos que repudiam os valores da democracia.

Em 2017, os direitos políticos e as liberdades cívicas em todo o mundo atingiram o seu ponto mais baixo da última década. A tomada de posse de Donald Trump e a consequente retirada dos Estados Unidos do seu papel de liderança na luta global pela liberdade e democracia, o genocídio dos Rohingya no Myanmar, o aumento da repressão na Turquia (que desceu de “PARCIALMENTE LIVRE” para “NÃO LIVRE”), o golpe de estado no Zimbabwe (também com a mesma alteração de estatuto que a Turquia) e a influência antidemocrática da China e da Rússia foram alguns dos aspectos que influenciaram negativamente o progresso democrático do mundo. O alerta da Freedom House refere ainda que, em alguns casos, não existem garantias de eleições livre e justas ou a protecção dos direitos das minorias, da liberdade de imprensa e do Estado de Direito.

Os desafios económicos e sociais dos estados democráticos alimentaram o surgimento de líderes populistas, do sentimento anti-imigração e o ignorar de liberdades fundamentais cívicas e políticas. Os populistas de direita obtiveram votos e assentos parlamentares em países como a França, a Holanda, a Alemanha e a Áustria. À excepção deste último caso, nenhum partido de extrema-direita conseguiu chegar à formação de um governo, no entanto este sucesso nas eleições ajudou a enfraquecer os partidos já estabelecidos no espectro político.

No caso dos EUA em concreto, nos últimos sete anos, assistiu-se a um declínio dos direitos e liberdades, principalmente por influência do dinheiro na política, pela disfunção legislativa e pelas desigualdades no sistema judicial. No entanto, 2017 viu o acelerar desta deterioração no país pela interferência da Rússia na campanha eleitoral de 2016, pela violação dos padrões éticos básicos por parte da nova administração, pelo uso do nepotismo por Trump, pela falta de transparência governamental e pela remoção de informações sobre questões de interesse público do website da Casa Branca por razões políticas e/ou ideológicas. Actualmente, o país do “sonho americano” tem 86 pontos (num total de 100 e mantendo-se na categoria “LIVRE”), tendo descido cerca de três num só ano, um acontecimento raro para uma democracia estável.

É por esta razão que a Freedom House se manterá atenta às declarações e atitudes de Donald Trump, principalmente no que diz respeito à liberdade de imprensa.

Dos 7,4 mil milhões de pessoas que existem no mundo inteiro, 37% vivem em países classificados como “NÃO LIVRE” e 24% como “PARCIALMENTE LIVRE”, concluindo-se com isso que mais de metade da população mundial não tem garantidos os seus direitos políticos e liberdades cívicas. 2017 foi o 12º ano consecutivo em que se registam mais retrocessos do que progressos em matéria de direitos e liberdades, com 71 países em declínio e apenas 35 a registarem avanços.

As democracias mais antigas e consolidadas do mundo têm também enfrentado problemas internos, como é o caso de disparidades sociais e económicas, fragmentação partidária, ataques terroristas e um fluxo migratório e de refugiados que aumentou o medo e a desconfiança.

Relativamente aos países com pior prestação no relatório de 2018 (em comparação com a última década), o primeiro lugar é ocupado pela Turquia, seguida da República Centro-Africana, do Mali (que está classificado como “PARCIALMENTE LIVRE”), do Burundi e do Bahrain. Destaque para a Hungria que entrou para o top-10 dos países com pior prestação e está classificada como “LIVRE”. Isto acontece devido à crescente intimidação das organizações da sociedade civil e da oposição, deixando os cidadãos mais relutantes em falar sobre temas políticos.

Dos 49 países classificados como “NÃO LIVRE”, destacam-se 12 com as piores pontuações, não garantido quase nenhum direito político ou liberdade cívica aos seus cidadãos. São eles a Síria (vive uma ditadura e está envolta numa guerra civil desde 2011), o Sudão do Sul (motivo de guerra civil), a Eritreia (estado policial com recurso a violência física, repressão política e controlo ideológico), a Coreia do Norte (estado policial com as mesmas características que a Eritreia), o Turcomenistão (oil kleptocracy), a Guiné Equatorial (oil kleptocracy), a Arábia Saudita (regime de monarquia absoluta), a Somália (em clima de guerra civil), o Uzbequistão (estado policial), o Sudão (regime ditatorial), a República Centro-Africana (guerra civil em curso) e, por último, a Líbia (em guerra civil desde o início da Primavera Árabe, em 2011). A imagem abaixo inclui a pontuação de cada país, num total de 100 pontos possíveis. A Síria é o único país que apresenta pontuação negativa.

A situação no mundo árabe

Na avaliação regional feita pelo relatório da Freedom House, destaca-se a situação no Médio Oriente e Norte de África. Marrocos e Tunísia foram sinalizados de forma negativa pelas “Country Trend Arrows”, que destacam países com bom ou mau desempenho. No caso do primeiro, foi pelas duras respostas do Estado face às grandes manifestações que ocorreram ao longo do ano. Já no caso da Tunísia, houve uma diminuição na classificação de direitos políticos de 2 para 3 devido ao adiamento das eleições municipais e à crescente pressão sobre o sistema político de poderosos elementos do antigo regime de Ben Ali. A Freedom House faz inclusivamente um aviso de que se a Tunísia continuar neste sentido, as conquistas da era pós-Primavera Árabe poderão desaparecer, e a democracia perderá a sua posição numa região maioritariamente repressiva e instável.

No caso do Iraque, a sua vitória de Dezembro na guerra contra o auto-proclamado Estado Islâmico aumentou a segurança no país e ajudou a criar espaço para a competição entre os novos partidos e os candidatos antes das eleições de 2018. A guerra civil em curso no Yemen aqueceu, deixando cerca de três quartos da população com necessidade de ajuda humanitária. Na Arábia Saudita Mohammed bin Salman tem trabalhado para consolidar o seu poder (com uma luta contra a corrupção) depois de substituir o príncipe herdeiro em Junho. Estas reformas poderão vir a causar mais agitação no governo e na população sauditas, uma vez que as conquistas de direitos e liberdades sociais para atrair investimento estrangeiro estão interligadas com as tentativas de anulação da dissidência e a luta contra adversários.

E agora?

De acordo com o seu relatório, a Freedom House vai manter sob vigilância nove países: Afeganistão, Angola, Geórgia, Iraque, Macedónia, México, Arábia Saudita, EUA, Uzbequistão. Os casos que não foram esclarecidos ao longo do artigo, são resumidos mais abaixo.

No Afeganistão, estão a formar-se alianças na oposição antes das (muito atrasadas) eleições parlamentares, apesar da falta de preparação para a votação e a incerteza da sua realização em 2018. No caso de Angola, e eleição de João Lourenço é vista como um ponto de viragem na política do país, tendo já levado ao enfraquecimento do poder e da influência da família de José Eduardo dos Santos; no entanto, espera-se que 2018 traga um maior compromisso da parte do novo presidente na luta contra a corrupção e nas liberdades política, de imprensa e organização.

O partido no governo da Geórgia promoveu alterações constitucionais que, aliadas a apoio financeiro, serão um grande desafio para (fracturada) oposição nas futuras eleições (muito improváveis), aumentando assim o controlo do partido Georgian Dream nos próximos anos. É esperado que as eleições de 2018 no Iraque testem a resiliência do sistema político país. Com um governo democraticamente eleito e com inclusão étnica, a Macedónia tem tentado erradicar a corrupção e outros abusos sistémicos, e resolver a persistente “disputa de nomes” com a Grécia que é um impedimento para a adesão à União Europeia.

As eleições gerais de Julho de 2018 no México vão servir como um referendo sobre uma administração que não conseguiu conter a violência e a corrupção desenfreadas, tornando-se cada vez mais hostil a meios de comunicação independentes e activistas. Sob uma nova liderança eleita em Dezembro de 2017, o Congresso Nacional da África do Sul vai estar sob pressão para limpar a sua imagem (manchada por Jacob Zuma) antes das eleições gerais, em 2019. Por último, o novo governo do Uzbequistão tomou medidas para uma maior abertura e envolvimento internacionais, mas mudanças num dos sistemas políticos mais repressivos do mundo chamaram à atenção internacional, depois do pedido de ajuda de meios de comunicação independentes e organizações da sociedade civil do país.

Photo by Jerry Kiesewetter / Public domain

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Mónica Canário

Research Assistant at CEI-IUL. Ph.D. Candidate in Political Science, specialisation in International Relations (ISCTE-IUL).

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