Jefferson Sessions, uma ameaça ao legado de Martin Luther King

Martin Luther King (MLK) é uma referência e uma inspiração para quem estuda direitos humanos e movimentos cívicos. Nascido em Janeiro de 1929 na cidade de Atlanta (EUA), é conhecido pela sua determinação e convicção, por ter sido o líder do Movimento de Direitos Cívicos dos anos 1950 e 1960 e pelo discurso “I Have a Dream”. King era um activista político, com crenças religiosas muito convictas. Tendo participado em inúmeros protestos e manifestações, apelava à desordem pacífica, acreditava que a diplomacia era a melhor forma de se ultrapassarem os problemas e de se encontrarem soluções e acabou por ser galardoado com o Prémio Nobel da Paz em 1964, “for his nonviolent campaign against racism”.

Da SCLC ao Civil Rights Act of 1964

Quando, em Dezembro de 1955, Rosa Parks foi presa por se recusar a ceder o seu lugar no autocarro a um indivíduo branco, Martin Luther King foi um dos activistas presentes no boicote aos autocarros de Montgomery, que durou até 1956. No seguimento desse boicote, King foi um dos fundadores da Southern Christian Leadership Conference (SCLC) em 1957, uma organização que promovia os direitos dos cidadãos afro-americanos. Acabou por ser também o seu primeiro presidente. A SCLC acabou por fracassar na luta contra a segregação em Albany, Geórgia, em 1962. O ano seguinte foi o mais activo e bem-sucedido da organização que andou sempre de mãos dadas com King. Em Agosto desse ano, mais de 200 mil pessoas protagonizaram a mítica “March on Washington”, pedindo pelo fim da segregação racial nos EUA. Esta marcha acabou por dar origem à lei “Civil Rights Act of 1964”, que acabou qualquer discriminação com base na cor da pele, na raça, no género ou na nacionalidade (mais tarde surgiu o “Civil Rights Act of 1968”, uma extensão da primeira lei, protegendo o direito à habitação dos indivíduos, independentemente da sua cor, raça, género ou nacionalidade).

O direito de voto dos afro-americanos

Já em 1965, deu-se a marcha “Selma to Montgomery”, um percurso de 87 quilómetros e com uma duração de 18 dias, marcada por três protestos em prol do direito de voto para os cidadãos afro-americanos. Depois desta marcha, o Presidente Lyndon B. Johnson aprovou a lei “Voting Rights Act of 1965”, permitindo a todos os cidadãos dos EUA o direito ao voto, independentemente da sua cor ou raça. A luta contra a pobreza e contra a Guerra do Vietname foram os últimos focos de Martin Luther King. Foi nesse sentido que, em Abril de 1967, deu o discurso “Beyond Vietnam”, apelando ao fim do conflito armado no sudeste asiático.

Martin Luther King acabou por ser assassinado a 4 de Abri de 1967, em Memphis (Tennessee), por James Earl Ray, um supremacista branco condenado a 100 anos de prisão. King encontrava-se na cidade a organizar a “Poor People’s Campaing”, no decurso da qual centenas de activistas iriam ocupar a capital do país. Após a sua morte, foram várias as cidades onde irromperam motins e revoltas. MLK recebeu a Presidential Medal of Freedom em 1977 e a Congressional Gold Medal em 2004. A terceira segunda-feira de Janeiro é o seu dia oficial desde 1971, tendo sido declarado feriado nacional pelo Presidente Ronald Reagan, em 1986.

A carta de Coretta Scott King

Foi nesse mesmo ano de 1986 que a mulher de MLK, Coretta Scott King escreveu uma carta dirigida ao então senador da Carolina do Sul, Strom Thurmond, criticando a nomeação para juiz federal de Jefferson Sessions: “I write to express my sincere opposition to the confirmation of Jefferson B. Sessions as a federal district court judge for the Southern District of Alabama. My professional and personal roots in Alabama are deep and lasting. Anyone who has used the power of his office as United States Attorney to intimidate and chill the free exercise of the ballot by citizens should not be elevated to our courts. Mr. Sessions has used the awesome powers of his office in a shabby attempt to intimidate and frighten elderly black voters. For this reprehensible conduct, he should not be rewarded with a federal judgeship. I regret that a long-standing commitment prevents me from appearing in person to testify against this nominee. However, I have attached a copy of my statement opposing Mr. Sessions’ confirmation and I request that my statement as well as this letter be made a part of the hearing record. I do sincerely urge you to oppose the confirmation of Mr. Sessions”.

Esta carta acabou por ser um testemunho importante, juntamente com os pareceres da National Association for the Advancement of Colored People (NAACP), da Leadership Conference on Civil Rights e da People For the American Way, e Jeff Sessions falhou a nomeação de Ronald Reagan para juiz federal do Distrito de Alabama.

Elizabeth Warren: A resistência no Senado

A Senadora do Massachusetts, Elizabeth Warren, que tem sido um dos símbolos de resistência à administração de Trump no Senado norte-americano, foi impedida por Mitch McConnell, líder da maioria republicana, de ler a carta de Coretta no Senado, no dia antes da votação para a nomeação de Sessions para Procurador-Geral dos EUA. Warren declarou no seu Facebook que não desistirá de lutar por uma América livre e que agora todas as pessoas conhecem as preocupações que Coretta Scott King tinha acerca de Sessions: “I’m deeply disappointed that the Senate voted to confirm Jeff Sessions as Attorney General tonight. Deeply disappointed that the Senate confirmed an AG whose record does not show he will faithfully and fairly enforce the law. Thanks to you, everyone now knows the concerns that Coretta Scott King had about Jeff Sessions. Concerns that millions of people still have. There’s no Rule 19 to silence me from talking about Jeff Sessions anymore. So let me say loudly and clearly: This is just the beginning. If Jeff Sessions turns a blind eye while Donald Trump violates the Constitution or breaks the law, he’ll hear from all of us. If Jeff Sessions makes even the tiniest attempt to bring his racism, sexism, and bigotry into the Justice Department, he’ll hear from all of us. And you better believe every Senator who voted to put Jeff Sessions’ radical hatred into the Justice Department will hear from all of us, too. Consider this MY warning: We won’t be silent. We will speak out. And we WILL persist”. Em sua homenagem, as redes sociais encheram-se com as hashtags #shepersisted e #LetLizSpeak. Também o Senador de Nova Iorque, Charles Schumer, apoiou a posição da sua colega, tendo criticado a postura do Senado, explicando ainda que foi uma falta de respeito para com o trabalho desenvolvido por Coretta e Martin Luther King.

O novo Procurador-Geral dos EUA

Jefferson Sessions tornou-se então o novo Procurador-Geral dos EUA, com 52 votos a favor e 47 contra. A sua visão política é controversa (chegou, inclusive, a referir “KKK is ok“) e oposta aos valores pelos quais Martin Luther King lutou: igualdade, justiça, protecção de todas as pessoas, independentemente da sua raça, cor, religião, género ou nacionalidade. Sessions é um político republicano com posições extremamente conservadoras no que diz respeito, por exemplo, aos direitos da comunidade LGBTQ e um franco apoiante das políticas anti-imigração do novo Presidente. Estará em marcha um retrocesso no movimento dos direitos cívicos nos EUA? Ou a resistência, tal como prometeu Warren, será suficientemente forte para se opor aos desígnios de Sessions? A nomeação e consequente aprovação do novo Procurador-Geral dos EUA representa, escreveu Charles Pierce, “the clearest indication that the alleged bipartisan push for criminal justice reform, and the power the Department of Justice can exercise over the renegade behavior of the nation’s police forces, have both been pretty effectively abandoned“. Susan Chira, num artigo de opinião no The New York Times faz ainda a seguinte questão: “Was there a woman who didn’t recognize herself in the specter of Elizabeth Warren silenced by a roomful of men?”. A verdade é que tentar silenciar Elizabeth Warren acabou por permitir a amplicação da sua mensagem. Será esta a nova América de Trump?

Martin Luther King. Author not identified / Public Domain

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Mónica Canário

Research Assistant at CEI-IUL. Ph.D. Candidate in Political Science, specialisation in International Relations (ISCTE-IUL).

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