Merkel reeleita: Uma vitória no mínimo agridoce

Os resultados eleitorais de 24 de Setembro na Alemanha não deixam ninguém indiferente. A quarta vitória de Merkel teve claramente um sabor agridoce… Por um lado, a reeleição para mais um mandato à frente dos destinos do principal país europeu, vencendo apesar de todos os criticismos do último quadriénio (crise financeira, crise dos refugiados, Brexit, etc.). Por outro, o custo a pagar foi profundo. Angela Merkel e a sua Union obtiveram o resultado mais baixo da CDU/CSU desde 1949, incluindo nas votações em que foram perdedores…

Outro dos grandes derrotados foi o Partido Social-Democrata alemão, o SPD. Membro das Grandes Coligações que têm composto o governo de Berlim dos últimos anos, a parca votação que obteve, pouco acima dos 20%, refletem também a onda de criticismo que afeta todos os partidos do chamado arco da governação alemã. Martin Schulz, que, no mínimo, não conseguiu aproveitar a onda de atenção e surpresa que a sua candidatura originou – e sobretudo cometeu o erro estratégico de subvalorizar a sua extensa experiencia na vida política europeia – tomou a decisão de não aceitar mais um mandato de coligação com Merkel. Tendo em conta a realidade política atual, talvez o melhor para tentar recuperar algum do eleitorado social-democrata será mesmo que o SPD ocupe o papel da oposição, num Bundestag que pela primeira vez na história alemã do pós-II Guerra Mundial, tem sete partidos representados.

A grande novidade resultante das eleições de 24 de Setembro de 2017 é mesmo a chegada do partido de extrema-direita, Allianz fuer Deutschland (AfD) ao Parlamento Federal, depois de ter já alcançado representação em alguns parlamentos estatais. Com 13% dos votos e 94 deputados eleitos, o AfD pauta-se por uma posição populista de recuperação dos valores nacionalistas alemães, defendendo posições favoráveis às conquistas e comportamento dos exércitos alemães na I e II Guerras Mundiais e altamente críticos do modo como o Holocausto é tratado – procurando inclusivamente anular a sua memória. O seu principal papel no Bundestag será a de desestabilizar a atuação governamental e alimentar a divisão no seio da sociedade alemã, alimentando o descontentamento e o criticismo às políticas da Chanceler, em particular a delicada gestão da crise dos refugiados.

Poderemos esperar um período complicado até à conclusão do elenco governamental. A solução Jamaica –  coligação entre a CDU/CSU, os Verdes e a Esquerda – irá certamente demorar tempo a concluir e poderá ter custos elevados para a Chanceler. Merkel já veio dizer que a eleição de deputados pelo AfD representava um sentimento na sociedade alemã que não poderia ser ignorado, mas só com o passar do tempo conseguiremos perceber qual será a posição da líder democrata-cristã e a adaptação do próprio sistema político germânico.

Desta primeira leitura, quase a quente, do que se passou este fim de semana, uma conclusão salta à vista: a Alemanha está longe de estar unificada. Os votos na AfD tiveram a sua origem sobretudo na antiga RDA, que é bastante permeável ao discurso populista anti-refugiados e nacionalista de Weidel e Gauland – Frauke Petry, a principal líder da Aliança para Alemanha, anunciou hoje, dia 25, que não faria parte dos deputados da AfD, indo coupar o lugar de independente no Parlamento Federal. Curiosamente, como alguns gráficos demonstram (a análise do Financial Times é muito rica e apurada), essa região é também a que está menos exposta à presença de estrangeiros – muito provavelmente porque é uma zona pouco amigável para o estabelecimento de comunidades imigrantes.

Concluindo, a tarefa de Merkel e restantes governantes alemães não será fácil. Para os restantes europeus, os resultados de dia 24 de Setembro reforçam a ideia de que a social-democracia está a ficar gravemente fragilizada, perdendo o seu lugar no contexto europeu por uma desatualização ideológica e por uma conotação demasiado próxima da evolução política dos últimos anos. Na melhor das hipóteses, resta-nos esperar que Angela Merkel consiga implantar e consolidar as políticas desenvolvidas até aqui, quer em termos da integração dos refugiados e do apaziguamento dos receios securitários da sociedade alemã, de modo a que consiga invalidar aqueles que são os principais argumentos da AfD e assim, paulatinamente e democraticamente, conseguir anular o peso que a Aliança tem até às próximas eleições.

Photo by European People's Party / CC BY 2.0

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Ana Mónica Fonseca

Postdoctoral researcher at CEI-IUL. Guest Assistant Professor at ISCTE-IUL. Researcher at IPRI-UNL. Research interests: Southern Europe democratic transitions, Portuguese-German relations during Cold War, transatlantic relations, German History, democracy promotion and transnational history.

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