Nas eleições americanas “a saúde está primeiro”?

A ausência de Hillary

A semana politica nos Estados Unidos ficou marcada pelos problemas de saúde de Hillary Clinton, que se viu forçada a abandonar a cerimónia que assinalava os 15 anos dos ataques de 11 de setembro. Ao final do dia seria revelado pelo seu médico que na semana anterior lhe tinha sido diagnosticada uma pneumonia. A candidata viu-se assim forçada a suspender durante alguns dias a sua presença em actos de campanha, acabando por reaparecer no dia 15 de setembro, num evento em Greensboro, na Carolina do Norte.

No terreno, procurando compensar a ausência temporária de Hillary, surgiram Barack Obama, que a 13 de setembro participou num comício de apoio à candidata democrata, e Bill Clinton, que em entrevista à cadeia televisiva CBS começou por referir que Hillary tinha este tipo de problemas de saúde “frequentemente”, corrigindo logo de seguida para “raramente”. Já no final da semana, a 16 de setembro, Michelle Obama fez uma intervenção pública elogiando as qualidades de Hillary Clinton e apelando ao voto na antiga Senadora de Nova Iorque.

Apesar de a campanha de Trump se apressar a desejar um rápido restabelecimento da sua opositora, a verdade é que este tema tinha já dado azo a um conjunto de teorias da conspiração que punham em causa a capacidade física e mental de Hillary Clinton para o exercício da presidência. Logo a 14 de setembro, Donald Trump fez questão de exibir no polémico programa televisivo “Dr. Oz” duas folhas impressas com dados médicos, procurando encerrar a questão da sua própria condição física. De pronto, a campanha de Hillary tornou pública mais informação sobre o seu estado de saúde, nomeadamente uma carta da sua médica pessoal descrevendo o modo como na sexta-feira anterior (dia 9 de setembro) lhe tinha sido diagnosticada uma pneumonia “não-contagiosa” e de origem “bacteriana”.

A saúde dos candidatos presidenciais

Não é a primeira vez que a saúde dos candidatos emerge como tema de campanha eleitoral ou mesmo depois da sua eleição. Vários exemplos podem ser evocados, como o de Woodrow Wilson, que sofreu um acidente vascular em 1919, enquanto procurava convencer o Congresso e a opinião pública da utilidade do Tratado de Versalhes. Nos meses que antecederam a reeleição de Franklin Roosevelt, em 1944, foi visível a degradação do estado de saúde do candidato. No entanto, a conjuntura muito peculiar que se vivia, com as tropas americanas em plena actividade em solo europeu, levou o seu médico pessoal, o Vice-Almirante Ross McIntire, a assegurar repetidamente que o então Presidente estava em “excelente condição para um homem da sua idade”.

Durante o seu primeiro mandato, em 1955, Dwight Eisenhower sofreu um ataque cardíaco, tendo o Presidente e os seus assessores procurado minimizar a difusão e o impacto político desta situação, tendo em conta as eleições agendadas para novembro de 1956, que Ike, aliás, voltaria a vencer. John F. Kennedy, seu sucessor, tinha uma longa história de problemas de saúde, conforme relatou detalhadamente o seu biógrafo, Robert Dallek. Um estudo recente, do cientista político Robert Gilbert chega mesmo a concluir que, em 1985, o escândalo Irão-Contra foi, em grande medida, “moldado” pelas consequências de uma cirurgia a que Ronald Reagan fora submetido nesse ano.

Ainda dentro deste tema, dois livros merecem destaque. Em 1998, o cientista político Robert Gilbert publicou The Mortal Presidency. Illness and Anguish in the White House, centrando-se nos problemas sentidos pelos Presidentes Calvin Coolidge, Franklin Roosevelt, Dwight Eisenhower e Ronald Reagan. O autor argumenta que os problemas que afectaram estes Presidentes condicionaram a sua actuação e foram alvo de uma constante preocupação por parte de conselheiros e assessores que, por vezes, conseguiram esconder da opinião pública o verdadeiro estado de saúde dos Presidentes.

Já Martha Cottam, professora de ciência política na Washington State University, é a autora de um estudo que procura avaliar o impacto da saúde dos Presidentes norte-americanos na condução da política externa. Cottam debruça-se sobre vários estudos de caso, incluindo Wilson, Roosevelt e Kennedy, e elabora uma interessante reflexão sobre a 25ª adenda à Constituição norte-americana, que estipula a substituição do Presidente pelo Vice-Presidente, em caso de incapacidade, morte ou demissão.

O impacto da saúde de Hillary nas eleições de 2016

Voltando a 2016, resta avaliar o impacto real que a especulação em torno da saúde de Hillary Clinton e de Donald Trump irá ter na campanha eleitoral e nas eleições de novembro de 2016. A crer numa recente sondagem divulgada pela agência Reuters, esse impacto foi, até agora, quase nulo, tendo os eleitores norte-americanos respondido com um mero encolher de ombros ao chamado “penumonia scare”. A não ser que se registem novos desenvolvimentos neste campo, tudo leva a crer que o debate em torno da saúde dos candidatos não é, para já, um motivo de preocupação dos eleitores. A sondagem da Reuters, referida anteriormente, continua a dar vantagem a Hillary Clinton, situando o intervalo entre os dois candidatos em 4%.

Photo by FDR Presidential Library & Museum / CC BY 2.0

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Luís Nuno Rodrigues

Director and researcher at CEI-IUL. Associate Professor at ISCTE-IUL. Editor of the Portuguese Journal of Social Science. Ph.D in American History (University of Wisconsin). Visiting professor at Brown University.

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