Portugal: Evitando Falar Sobre Escravatura Desde 1761

Quando é que Portugal finalmente fará o grande debate público que se impõe sobre a escravatura e o seu papel nela?

Foi à saída da exposição sobre Lisboa Cidade Global, no Museu Nacional de Arte Antiga. Uma pessoa abordou-me, apresentou-se, e confessou-se chocada: a exposição era linda, as peças eram magníficas, os quadros que representam Lisboa no século XVI valiam por si só a visita, mas onde estava uma explicação sobre como tinham vindo cá parar aquelas riquezas e, sobretudo, aquelas pessoas? Onde estava explicado o papel pioneiro — e cimeiro — que Portugal teve no tráfego de escravos?

A crítica fazia sentido. Nos painéis explicativos havia menções aqui e ali aos escravos. A realidade não foi ignorada — mas, como é infelizmente hábito, demasiado rápido se passou à frente. E, no entanto, eles e elas lá estavam naquelas pinturas. Era impossível não os ver. Aqui, um homem negro acorrentado. Ali, mulheres negras carregando água do Chafariz d’El Rei. Acolá, um escravo cheio de dejetos porque um penico lhe rebentou em cima enquanto o transportava à cabeça. Seria impossível representar a Lisboa do século XVI sem que ela tivesse muitos escravos. O mesmo vale para qualquer cidade portuguesa a partir desse tempo, sobretudo no Novo Mundo. Portugal inaugurou a era moderna da escravatura em massa a partir de África. E foi dos países que mais participou e beneficiou daquele “ímpio e desumano abuso”, como lhe chamou o Marquês de Pombal após a sua abolição parcial a partir de 1761.

Terá por isso razão Marcelo Rebelo de Sousa quando ontem, no Senegal, afirmou que Portugal reconheceu a injustiça da escravatura nesse ano? Infelizmente, não. Aí começou apenas uma longuíssima trajetória de avanços e recuos para o fim das relações entre o Estado português e a escravatura. E começaram também os silêncios e eufemismos que até hoje se têm substituído a um verdadeiro debate no nosso país sobre a escravatura e o papel dos nossos antepassados nela.

 

Leia o artigo completo no site do jornal Público.

Slave market at Rio de Janeiro, Brazil. Illustration by Edward Francis Finden / Public domain

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Rui Tavares

Researcher at CEI-IUL. PhD in History (École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris). Member of the European Parliament and rapporteur for refugee and human rights issues in Hungary (2009-14). Research interests: History; Portuguese cultural and political history; European Union history and theory.

Leave a Reply