Tensões entre África e o Tribunal Penal Internacional

No dia 21 de outubro de 2016 a República da África do Sul anunciou a sua intenção de se retirar do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI). Esta decisão foi divulgada 3 dias depois de a República do Burundi ter feito um anúncio semelhante.

A decisão sul africana acontece um ano após a 25.ª Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da União Africana (UA), que decorreu em junho de 2015 na cidade de Joanesburgo. Durante a Cimeira, a África do Sul recusou-se a deter o Presidente sudanês Omar al-Bashir, sob o qual pendia um mandado de detenção internacional por genocídio e crimes contra a Humanidade no Darfur.

União Africana versus Tribunal Penal Internacional

A relação de tensão entre os líderes africanos e o Tribunal Penal Internacional não é recente, mas agudizou-se nos últimos tempos. O Tribunal de Haia tem sido acusado de procurar julgar apenas líderes africanos e de ter uma postura neocolonialista para com o continente africano. Esta postura tem originado as maiores críticas à ação do TPI.

Já em 2009, na 13ª Sessão Ordinária da União Africana, ficaria expressa a decisão de que os Estados-membros da UA não iram cooperar com o TPI na detenção e entrega do Presidente Omar al-Bashir.

Quando da 25ª sessão da UA, o Presidente Robert Mugabe frisou que o TPI não era bem-vindo em África. A situação atingiu assim um ponto de rotura com a denúncia do Burundi e da África do Sul do Estatuto de Roma. Estes dois países têm de comunicar por escrito a sua decisão ao Secretário-Geral da ONU e aguardar 1 ano, de acordo com o artigo 127.º, nº 1, do Estatuto de Roma.

Soluções africanas para problemas africanos?

Ausente destas notícias está uma das peças-chave para se entender esta tomada de posição por parte dos Estados do Burundi e da África do Sul. Encontra-se em fase de ratificações um tratado da União Africana para fundir o Tribunal de Justiça da União Africana com o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos. A estes dois sucederia uma super estrutura judicial, o Tribunal Africano de Justiça e Direitos Humanos (TAJDH).

A contenção de custos foi o motivo inicial para a fusão, mas rapidamente este processo foi politizado. O Estatuto em discussão do TAJDH foi emendado em 2012 para acomodar uma terceira secção de crimes graves, com competências para julgar crimes contra a Humanidade, crimes de guerra, Genocídio, entre outros. Na prática, o que se propõe é a criação de um Tribunal Penal regional Africano com as mesmas competências do TPI, impedindo desta forma a jurisdição deste sobre o continente. Na medida em que o TPI apenas pode julgar na ausência de um tribunal nacional competente (princípio da complementaridade), esta lacuna seria eliminada com a criação da super estrutura.

O que suscita as maiores dúvidas em relação à eficácia deste tribunal – para além da sua mais que previsível paralisia por falta de recursos – é a última emenda ao seu Estatuto. Em junho de 2014, foi introduzido o artigo 46.º A bis, que prevê a total imunidade dos líderes políticos atualmente em vigor. Assistimos assim à criação de um tribunal à la carte das lideranças políticas africanas, que lhes permite a manutenção no poder e exercer a governação que entenderem sobre os seus cidadãos, com total impunidade.

É expectável, no curto prazo, uma saída em bloco dos países africanos do Estatuto de Roma do TPI e a adesão em massa ao Estatuto do TAJDH.

International Criminal Court, the Hague, NL / Photo by Hypergio / CC BY-SA 4.0

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Rui Garrido

Research Assistant at CEI-IUL. Ph.D. Candidate in African Studies (ISCTE-IUL) researching State homophobia, Human Rights, and social movements in the Lusophone African space. Works for the Lusophone Observatorium for Human Rights (OLDHUM).

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