Trump e a Oposição do Deep State

Devido a uma fuga de informação, que sugeria que Michael Flynn falou com representantes russos sem autorização legal, este ex-conselheiro da segurança nacional foi obrigado a demitir-se. Desde então que se discute de forma acérrima a potencial existência de um deep state americano a operar contra a administração Trump e contra o que ela representa. Apesar de a definição do mesmo não ser consensual, este deep state é visto como sendo uma burocracia não-eleita e pouco ou nada controlada pelo congresso e pelo presidente. Esta burocracia inclui a CIA, a NSA, a Defense Intelligence Agency, as forças armadas, o Departamento de Justiça, entre outros.

Deep state vs Trump state

De acordo com Taegan Goddard do Political Wire, múltiplos serviços de inteligência americanos acreditam que operativos russos tentaram ajudar Trump a vencer as eleições.  O FBI está a investigar contactos entre oficiais russos e várias pessoas ligadas à candidatura de Trump. Em suma, este putativo deep state contém elementos no topo da hierarquia que consideram que Donald Trump pode ser um cavalo de Tróia russo. Por outro lado, Roger Stone (da campanha Trump), rejeita por completo estas suspeitas, acusando o deep state de querer destabilizar o presidente. Em última instância, o objectivo será a deposição do novo inquilino da Casa Branca.

Gera-se cada vez mais a ideia de que o que move este deep state é a defesa do status quo. Isto é, a defesa do modelo liberal/neo-conservador que caracterizou as últimas décadas americanas. Por outro lado, a própria administração Trump dá sinais contrários sobre que é a sua visão. Se, por um lado, o próprio Trump ou Bannon representam uma direção mais protecionista e isolacionista, nomes como Pence, Priebus ou Mattis parecem indicar a continuação do caminho neo-conservador das últimas décadas.

A avaliar pela retórica da imprensa mainstream americana, Trump representa o fim do liberalismo hegemónico. Ademais, famosos neo-conservadores, como Bill Kristol, declaram-se ferozmente anti-Trump. Na questão Trump vs deep state, Kristol disse que, apesar de preferir o normal funcionamento das instituições democráticas, prefere o deep state ao Trump state. Contudo, também quem coloque a hipótese de que Trump é uma expressão de uma facção (isolacionista) do deep state. Neste caso, estaríamos a assistir a uma luta interna entre diferentes facções destes serviços de inteligência e das hierarquias burocráticas.

As visões em disputa

Mas quais são as motivações das visões em disputa? Do lado liberal/neoconservador há os já conhecidos interesses em manter o antagonismo com a Rússia e em preservar os EUA como motor de expansão do liberalismo. Do lado isolacionista/nacional há uma vontade de refazer alianças, repensar o paradigma liberal e trazer a Rússia para o lado do mundo euro-americano, quiçá apontando para a China como o “outro” de referência.  Contudo, ambas as visões parecem estar presentes na administração Trump e talvez até no próprio deep state em tensão consigo mesmo.

Com as dificuldades inerentes a muita informação contraditória, o que se pode aferir é que talvez estejamos na presença do princípio de uma viragem de paradigma. Nada é já claro. O consenso do pós-guerra parece quebrado. As divisões entre elites (e eleitorado) tornam-se incomensuráveis e irreconciliáveis. Não obstante, como a administração Trump parece ter características ambíguas, Trump tanto pode ser um ponto de viragem como ser uma continuidade.

Donald Trump speaking at the 2017 Conservative Political Action Conference in Maryland. Photo by Gage Skidmore / CC BY-SA 2.0

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Filipe Faria

Research associate at CEI-IUL. PhD in Politics (King’s College London). Research interests: Social and Political Philosophy, Political Economy, Biopolitics.

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