Um vislumbre de Cuba através dos seus arquivos

O acesso à documentação histórica cubana é algo bastante complexo e difícil. São poucos os historiadores estrangeiros que o conseguiram e ainda menos os que puderam explorar profundamente alguns dos principais arquivos de Havana.  Piero Gleijeses, Professor de Política Externa norte-americana na School of Advanced International Studies da Johns Hopkins University, foi um dos que o conseguiu. Em dois dos seus principais livros, Gleijeses foca-se nas relações entre Cuba, os Estados Unidos e os desenvolvimentos em África, durante o período da Guerra Fria.

O primeiro livro, editado em 2002 pela North Carolina University, intitula-se “Conflicting Missions: Havana, Washington, and Africa, 1959-1976”. Tal como o nome indica, esta obra foca-se nas complexas relações entre a superpotência ocidental, os EUA, o regime revolucionário cubano, de inspiração marxista, recém implantado mesmo no “backyard” norte-americano, e a emergência e evolução da Guerra Fria em África. Particular atenção é dada ao desenvolvimento dos movimentos independentistas nas colónias portuguesas, por ser aí que mais intensa e prolongadamente se efetivou a resistência à descolonização – culminando com a entrada de forças sul-africanas em Angola, em 1975, o que provocou uma significativa e decisiva resposta por parte de Havana.

O segundo volume concentra-se nos últimos 25 anos da Guerra Fria, retomando a investigação até aí desenvolvida. Em “Visions of Freedom: Havana, Washington, Pretoria and the Struggle for Southern Africa, 1976-1991”, publicado também pela North Carolina University Press em 2013, o enfoque é total na questão de Angola e do Sul de África. Baseado numa extensíssima investigação em fontes documentais de dezenas de arquivos internacionais, incluindo cubanos, bem como na recolha de testemunhos através de mais de 150 entrevistas, este volume é um dos contributos decisivos para a compreensão da Guerra Fria no continente africano e da presença cubana e soviética na região – bem como da sua interação com as restantes potências regionais e globais.

É a documentação que serviu de base a esta investigação que está agora parcialmente disponível online, através do Cold War International History Project do Woodrow Wilson Center. Como o próprio Gleijeses salienta na introdução que faz a esta documentação, para o livro “Visions of Freedom” recolheu cerca de 15.000 páginas de documentação, que incluem ainda “3.500 páginas de conversações de Fidel Castro com os seus principais assessores e líderes estrangeiros, incluindo Michael Gorbachev” ou com os líderes angolanos Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos. A seleção da documentação agora disponibilizada – cerca de 3.400 páginas de documentos – seguiu vários critérios, explicados pelo autor na introdução: é privilegiado o período de 1986 a 1988, por ser aquele que Gleijeses considera mais determinante na sua investigação bem como os relatos de conversações das principais personagens.

A grande vantagem desta documentação agora disponibilizada online é que permite uma análise das fontes originais trabalhadas por Gleijeses e às quais apenas ele conseguiu aceder. Muitas destas fontes, saliente-se, são oriundas quer do Conselho de Estado Cubano, quer do arquivo pessoal do atual Presidente Raúl Castro.

É possível consultar a documentação aqui.

Photo: “Raúl Castro, Report on Cuban Technical Assistance to Angola, 'Acerca de la necesidad de una masiva ayuda técnica (civil) a RPA',” April 23, 1976, History and Public Policy Program Digital Archive, Archive of the Cuban Armed Forces. Obtained and contributed to CWIHP by Piero Gleijeses and included in CWIHP e-Dossier No. 44. 

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Ana Mónica Fonseca

Postdoctoral researcher at CEI-IUL. Guest Assistant Professor at ISCTE-IUL. Researcher at IPRI-UNL. Research interests: Southern Europe democratic transitions, Portuguese-German relations during Cold War, transatlantic relations, German History, democracy promotion and transnational history.

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