A democracia favorece o terrorismo?

Os recentes ataques terroristas em França, no Canadá e na Áustria reacenderam o debate sobre a relação entre a democracia e o terrorismo.

Considerando a literatura dos Estudos do Terrorismo, o presente artigo responde à questão “A democracia favorece o terrorismo?” a fim de esclarecer alguns argumentos académicos sobre esta relação. A democracia é aqui entendida na forma clássica de Robert Dahl (1974) como um regime pautado por eleições livres, justas e frequentes. O terrorismo é encarado na esteira das definições das Nações Unidas e da União Europeia (UE), ou seja, como uma forma de violência política perpetrada por grupos não estatais e lobos solitários (não exclusivamente) para atingir as estruturas políticas, sociais ou económicas de um estado ou organização internacional.

Os estudos académicos sugerem uma associação positiva entre a democracia e o terrorismo, todavia os resultados são controversos.

Com base em Gofas (2012) e Chenoweth (2013), destacamos três principais argumentos que a justificam:

(a) O argumento das liberdades civis. As democracias são os alvos mais visados porque criam oportunidades favoráveis ao terrorista: o compromisso com as liberdades civis, como a liberdade de circulação, associação e expressão, facilita as atividades dos terroristas, seja no âmbito da propaganda, do recrutamento ou operacional.

Outros consideram que as democracias são menos suscetíveis ao terrorismo porque é o compromisso com as liberdades civis que, aliado à existência de instituições democráticas, permite a prevenção dos extremismos conducentes à violência terrorista bem como a resolução de conflitos de forma pacífica. Além disso, os estudos científicos sugerem que a correlação positiva difere consoante o grau de consolidação das democracias: por exemplo, as democracias ditas consolidadas são menos permeáveis ao terrorismo do que outras com baixos níveis de legitimidade.

b) O argumento da publicidade. Relacionado com o argumento anterior, esta posição advoga que a liberdade de expressão cria incentivos para as atividades terroristas e potencia a visibilidade dos grupos, sobretudo através dos mass media. Na literatura são definidos como “o oxigénio do terrorismo” porque podem ter um efeito contraproducente aos esforços contraterroristas, nomeadamente quando a cobertura mediática é “excessiva” (i.e. tudo o que contribui para a glorificação do ataque, sejam semanas de reportagem ou a exploração dramática das vítimas e feridos, por exemplo).

Pelo contrário, outros argumentam que os mass media são importantes instrumentos de pressão política, sobre governos e forças de segurança, bem como estimulam o interesse público na prevenção da ameaça.

(c) O argumento político. Este argumento relaciona diferentes variáveis, como o tipo de regime político (democracia; autocracia), a posição ideológica (esquerda; direita) e outras questões como a política externa de um estado. As conclusões são diversas e contraditórias, consoante as variáveis em análise. A título ilustrativo, vários autores identificam a “participação externa em operações militares” como uma variável que potencia a vulnerabilidade a um ataque terrorista, sobretudo quando relacionada com o terrorismo jihadista (i.e. Daesh). Os Estudos Unidos, a França e o Reino Unido são nomeados como os exemplos referência nesta matéria.

No nosso entender, é exagerado argumentar que a democracia favorece o terrorismo.

Defender que a causa para a situação atual reside na “sociedade livre” ou no “multiculturalismo” é alinhar com a narrativa extremista – de extrema-direita ou jihadista – de que os europeus são merecedores da violência perpetrada porque, alegadamente, são infiéis ou usurpadores…etc. Porém, não deixamos de reconhecer alguns problemas que podem criar animosidades e vulnerabilidades. Por exemplo, no âmbito do acolhimento de estrangeiros, a UE reconhece que os radicalizados europeus, migrantes de segunda ou terceira geração, sentem-se excluídos e vivem em um conflito identitário, sendo a radicalização um produto de fatores contextuais e psicológicos. Não se trata de afirmar que as democracias são mais pacíficas mas, antes, defender que é o sistema melhor preparado para combater o terrorismo, por oposição a um sistema autocrático. Não é possível eliminar o risco por completo, mas as democracias têm os melhores instrumentos para combater esta ameaça – É a valorização do debate crítico, das regras e dos princípios do Estado de Direito, bem como a robustez das suas instituições, que permitem contrariar potenciais surtos de violência e neutralizar as causas do extremismo violento conducente ao terrorismo.

Gofas, Andreas (2012). The Terrorism-Democracy Nexus and the Trafe-Off Between Security and Civil Liberties. Pp. 283-298.

Chenoweth, E. (2013). Terrorism and Democracy. Annual Review of Political Science. Vol. 16. Pp. 355-78.
As opiniões expressas neste texto representam unicamente o ponto de vista do autor e não vinculam o Centro de Estudos Internacionais, a sua direcção ou qualquer outro investigador.

Photo by Fred Moon on Unsplash [cropped]

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Joana Araújo Lopes

Researcher at CEI. MA in Political Science and International Relations (NOVA). PhD Candidate in History, Security Studies and Defence (Iscte). Research interests: international security, terrorism, violent extremism, radicalization, and diplomacy.

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