Cronologia da crise na Gâmbia: das eleições de Dezembro à saída do poder de Yahya Jammeh

Esta cronologia da crise eleitoral na República da Gâmbia é um pequeno esforço de mapeamento das posições que os diversos actores foram tomando desde o momento das eleições. Entre esses actores encontraremos figuras e organizações da política local, regional e internacional. Não deve ser encarada como exaustiva, e sim como incompleta; no entanto, ressaltam-se desta visão de conjunto algumas tendências que podem fornecer pistas interpretativas, que exemplifico com alguns exemplos imediatamente abaixo, antes da cronologia propriamente dita.

Todas as entradas da cronologia são acompanhadas de links para referências dos media que acompanharam a situação, dos quais se destacam o trabalho realizado pela BBC, através do seu correspondente Umaru Fofana. Muitas referências e reacções importantes ficam de fora.

  1. A crise eleitoral parece proceder de um progressivo isolamento de Yahya Jammeh;
  2. O papel da CEDEAO e a forma como soube conduzir o processo foi importante. A mediação inicial de Muhammadu Buhari e Ellen John Sirleaf não foi bem sucedida, ao contrário de Mohammed Ould Abdel Aziz e Alpha Condé, o que indicará possivelmente uma maior proximidade entre estes últimos e Yahya Jammeh.
  3. O papel de liderança do Senegal ficou bem expresso na condução da “intervenção” e na rápida resposta a partir da recusa dos resultados. O facto do país ser actualmente um dos membros não permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas poderá ter sido um factor facilitador na celeridade das resoluções e declarações. Um outro factor que sublinha a importância do único vizinho da Gâmbia neste processo é o facto da cerimónia de tomada de posse de Adama Barrow ter sido feita na embaixada da Gâmbia em Dakar.
  4. Ousmane Badjie, general nos Exército da Gâmbia, tomou todas as posições possíveis, sendo um personagem ambíguo no desenrolar desta crise, não deixando de parecer ter tido um papel importante na gestão do exército.
  5. Os media da oposição e as redes sociais, alguns deles exilados, tiveram um papel importante na denúncia em primeira mão. Destacam-se os sites freedomnewspaper.com, www.kaironews.com, www.fatunetwork.net, as contas de Twitter de Fatu Camara; Jeffrey Smith, MamaLinguere Sarr.
  6. A cobertura internacional dependeu das declarações mais pungentes vindas das figuras mais proeminentes. No período de espera que se seguiu às declarações dos organismos internacionais, em meados de Dezembro, e o início de Janeiro, a grande maioria das notícias são sobretudo publicadas por jornais locais e regionais.
Cronologia

16 de Novembro: 3 jornalistas são presos num protesto pacífico de oposição ao regime de Yahya Jammeh: Momodou Sabally, Bakary Fatty, Alhagie Manka.

1 de Dezembro:

  1. Internet Blackout: medos de supressão de liberdades.
  2. Ilusões de liberdade?
  3. Eleições na República da Gâmbia

Resultados

Candidatos Partidos Votos %
Adama Barrow Coalition 2016 227,708 43,3 %
Yahya Jammeh Alliance for Patriotic Reorientation and Construction 208,487 39,6%
Mamma Kandeh Gambia Democratic Congress 89,768 17,1%
Total 525,963 100%
Votantes Registados/Comparência 886,578 59,3%

Adama Barrow ganha as eleições com resultados maioritários em vários círculos eleitorais considerados importantes. Fica muito perto dos 50% no cômputo geral dos três círculos de Banjul.

2 de Dezembro: Ainda antes do anúncio oficial dos resultados finais o presidente Yahya Jammeh, faz um anúncio público reconhecendo a derrota surpreendendo todos os observadores, um pouco por todo o mundo. O anúncio foi feito na televisão nacional numa comunicação muito pouco ortodoxa. Os mais céticos recusaram-se a acreditar na facilidade

3 de Dezembro:

  1. Logo no dia 3 de Dezembro a especulação sobre um possível volte face começou. O website ‘freedom newspaper’ lança um alerta sobre um possível golpe em preparação por parte de Ousmane Badjie. O autor da peça Pap Nderry M’bai é também autor de um livro entitulado “The Gambia: The Untold Dictator Yahya Jammeh story”, uma denúncia dos muitos crimes do regime de Jammeh.
  2. Muhammadu Buhari, presidente da Nigéria, felicita Yahya Jammeh por conceder a derrota, bem como os Estados Unidos.

4 de Dezembro:

  1. Momentos de ambiguidade: Esperança na Gâmbia e por todo o continente africano.
  2. Smooth Transition (!?!?)

5 de Dezembro:

  1. As autoridades gambianas libertam o líder da oposição Ousainou Darboe, que tinha sido preso com outros ativistas políticos em Abril e Maio.
  2. É publicado um perfil de Alieu Momar Njie, presidente da Comissão Eleitoral Independente, organismo no centro de algumas controvérsias.
  3. A Comissão Eleitoral (IEC) fala de erros nos resultados e ajusta as percentagens.
  4. Adama Barrow em entrevista à DW anuncia que a Gâmbia não sairá do CPI e que o que se passou no país será investigado. Barrow afirma tambem que a Gâmbia não é uma República Islâmica mas um Estado Secular. Muitos vêem aqui um dos primeiros erros de Barrow, que poderá ter precipitado Jammeh a criar uma situação de crise para garantir uma margem negocial.
  5. Chefe de Estado da Mauritânia, Mohammed Ould Abdel Aziz, felicita Adama Barrow.
  6. Barrow diz que vai libertar todos os presos políticos.
  7. A União Africana felicita Barrow.

6 de Dezembro:

  1. Adama Barrow dá uma entrevista à Aljazeera.
  2. Fatoumata Jallow-Tambajang, política e dita “arquitecta da coligação”, fala em perseguir Yahya Jammeh.

7 de Dezembro:

  1. Por todo o mundo as eleições da Gâmbia renovam o sentido da democracia.
  2. 12 presos políticos são libertados.

8 de Dezembro: Como Jammeh perdeu o controlo do poder. Tribalismo? (ver 26 de Dezembro)

9 de Dezembro:

  1. Yahya Jammeh deu o dito por não dito e recusa, uma semana depois, os resultados da eleições que diz terem sido manipulados, propondo novas eleições.
  2. As reacções às declarações de Yahya Jammeh foram imediatas e de uma grande amplitude. O Senegal, membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, convoca uma reunião de emergência.
  3. Yahya Jammeh promove 49 oficiais seniores do exército a tenente-coronel.

10 de Dezembro:

  1. Ban-Ki-Moon e as Nações Unidas emitem um comunicado pedindo a Yahya Jammeh o respeito pelo processo eleitoral. As Nações Unidas urgiram ainda a participação activa da CEDEAO e do UNOWAS (UN Office for West Africa) na preservação da estabilidade no país.
  2. A União Africana, a CEDEAO (Communauté Économique des États de l’Afrique de l’Ouest, também conhecido por ECOWAS) e as Nações Unidas, fazem uma declaração conjunta, saudando o trabalho da Comissão Eleitoral Independente e apoiando Adama Barrow e ainda a posição tomada pelo Senegal.
  3. Tropas nas ruas de Banjul.
  4. Adama Barrow exorta Jammeh a aceitar os resultados e diz que apenas a Comissão Eleitoral tem o poder de anular as eleições.

11 de Dezembro: Jammeh questionará as eleições em no Supremo Tribunal da Gâmbia. Legalmente o prazo é de 10 dias após as eleições.

12 de Dezembro: Começa a falar-se de mediação dos líderes oeste-africanos. Ellen John Sirleaf, Nobel da Paz, encabeça a missão.

13 de Dezembro:

  1. Os presidentes Ernest Bai Koroma da Serra Leoa, Ellen Johnson Sirleaf da Libéria, Muhammadu Buhari da Nigéria e o presidente do Gana em fim de mandato John Mahama, encontraram-se com Yahya Jammeh ao longo do dia. A eles juntou-se igualmente Mohamed Ibn Chambas, do departamento regional oeste-africano das Nações Unidas (UN West Africa) que o presidente gambiano já havia recusado receber em outras ocasiões.
  2. O embaixador gambiano nos Estados Unidos emite uma declaração exortando Yahya Jammeh a ceder o poder e reconhecendo Adama Barrow.
  3. Forças de segurança entram na Comissão Eleitoral Independente e forçam todos os funcionários para fora dos escritórios.
  4. Começam os rumores de uma possível intervenção da CEDEAO.

14 de Dezembro:

  1. A verdadeira razão pela qual Yahya Jammeh não cede o poder.
  2. Mais avisos das Nações Unidas.

15 de Dezembro: Barrow diz que tomará o poder a 19 de Janeiro, mesmo que Jammeh não aceite a derrota.

16 de Dezembro:

  1. Será o exército a chave?
  2. A Organização da Cooperação Islâmica (OIC) pede a Jammeh o respeito pelos resultados, bem como o West African Civil Society Forum (WACSOF).

17 de Dezembro:

  1. O general Ousmane Badjie do lado de Jammeh.
  2. A CEDEAO pronta para actuar.

18 de Dezembro:

  1. Barrow em encontro com o Supremo Conselho Islâmico e os Anciãos Islâmicos.
  2. Para o El País Jammeh representa um esforço anacrónico para a África Ocidental onde as transições democráticas são cada vez mais a norma.

19 de Dezembro:  Jammeh afirma que não sairá: “I am not a coward. My right cannot be intimidated and violated. This is my position. Nobody can deprive me of that victory except the Almighty Allah”.

21 de Dezembro: Instabilidade regional?

22 de Dezembro: A Gâmbia poderá ser uma nova Côte D’Ivoire? Não!

23 e 24 de Dezembro: Tropas senegalesas em alerta. Marcel Alain de Souza diz que o Senegal liderará a força de intervenção regional.

25 de Dezembro: Investida de Ousainou Darboe.

26 de Dezembro: O tribalismo de Yahya Jammeh.

27 de Dezembro: Medos de instabilidade regional expressos por Sheikh Omar Faye, embaixador nos Estados Unidos.

28,29 Dezembro: A guerra como opção. As forças da CEDEAO à espera.

31 de Dezembro:

  1. A Guiné de Alpha Condé recusa a intervenção militar da CEDEAO.
  2. Jammeh acusa a CEDEAO de declarar guerra à pacífica Gâmbia (a velha estratégia de vitimização).
  3. Um enviado de Buhari ao encontro de Macky Sall.

1, 2, 3 de Janeiro:

  1. As autoridade fecham Teranga FM e Hilltop Radio.

4, 5 de Janeiro:

  1. Alieu Momar Njie, presidente da Comissão Eleitoral, foge do país em direcção ao Senegal, depois de ameaças.
  2. O general Ousmane Badjie declara o seu apoio a Yahya Jammeh.
  3. Agentes dos serviços de inteligência prendem três lojistas com merchandise do movimento das redes sociais #Gambiahasdecided.

6,7,8 de Janeiro:

  1. Continuam os esforços de mediação.

9 de Janeiro: Mais uma reunião com Jammeh em preparação: Buhari, Sirleaf e Koroma.

10,11 de Janeiro:

  1. O Supremo Tribunal da Gâmbia adia a decisão sobre a validade das eleições e pede uma resolução política.
  2. Diz o Premium Times que “A ação do chefe da justiça influenciou a decisão do Supremo Tribunal da Gâmbia em não dar continuidade ao processo remetido pelo Presidente Yahya Jammeh, onde procurava anular o resultado da eleição perdida“.
  3. Jammeh queixa-se de interferência externa.
  4. 400 refugiados gambianos entram na Guiné Bissau.

12 de Janeiro:

  1. A ‘House of Representatives’ da Nigéria votou a favor da concessão de asilo a Yahya Jammeh no caso de este aceitar a derrota.
  2. Jammeh nomeia um mediador para a crise política, Musa Jallow e insiste que não deixará o poder.

13, 14 de Janeiro:

  1. 800 soldados nigerianos estão preparados para intervir na Gâmbia.
  2. Adama Barrow foi convidado a assistir à cimeira África-França em Bamako e sai do país chegando à capital do Mali acompanhado do presidente nigeriano Muhammadou Buhari. Uma mini-cimeira sobre a situação da Gâmbia teve lugar.
  3. A União Africana não reconhecerá Jammeh.

15 de Janeiro:

  1. Adama Barrow não volta para a Gâmbia, exila-se no Senegal, depois do falhanço da mediação dos líderes oeste-africanos dia 13 de Janeiro.
  2. O filho de Adama Barrow, Habibou Barrow, de 8 anos, é morto por quatro pitbull, num caso que levantou suspeitas devido aos seus contornos pouco claros.

16 de Janeiro:

  1. O Secretário Geral da OCI (Organização da Cooperação Islâmica), Yuseef Al-Othaimeen, pede ao presidente cessante uma transição pacífica.
  2. Prepara-se uma invasão.

17 de Janeiro:

  1. Yahya Jammeh declara o «estado de emergência» em resposta às manobras do navio de guerra provindo da Nigéria. A Nigéria não confirma que se trata de “intimidação” preferindo dizer que se trata apenas de exercícios.
  2. Marrocos oferece um asilo condicional (em caso de aceitação da derrota) a Yahya Jammeh.

18 de Janeiro:

  1. As tropas senegalesas dirigem-se para a fronteira da Gâmbia.
  2. O Gana envia 205 soldados para a Gâmbia.
  3. A Assembleia Nacional estende o mandato de Jammeh por 90 dias.

19 de Janeiro:

  1. Adama Barrow é empossado na embaixada da Gâmbia no Senegal e exige ao exército gambiano o respeito pela Constituição.
  2. O Senegal submete uma resolução ao Conselho de Segurança das Nações Unidas visando a obter a autorização para usar todas as medidas necessárias para assegurar uma transferência de poder entre Yahya Jammeh e Adama Barrow.
  3. O Senado Nigeriano discute o envio de tropas do país para a Gâmbia. A Força Aérea Nigeriana confirma o envio de 200 soldados, caças e equipamento para o Senegal, na eventualidade de conflito. O Senado procura limitar a acção dessas forças.
  4. As forças da CEDEAO estão finalmente em marcha e iniciam a ofensiva.
  5. A Vice Presidente Isatou Njie-Saidy demite-se.
  6. Milhares de pessoas fogem do país.

20 de Janeiro:

  1. Os líderes Mohammed Ould Abdel Aziz, da Mauritânia, e Alpha Condé da Guiné Conakry, chegam à Gâmbia para negociar com Yahya Jammeh, depois da mediação inicial falhada encetada por Mohammadu Buhari (Nigéria) e Ellen John Sirleaf (Libéria).
  2. O general Ousmane Badjie assume o seu apoio a Adama Barrow que reconhece como presidente da República, contrariando a declaração de 4 de Janeiro e cumprindo o desígnio do novo presidente empossado a 19 de Janeiro.
  3. Jammeh demite todo o executivo e diz que se ocupará de todos os ministérios interinamente, até constituir um novo executivo.
  4. Depois do primeiro prazo marcado à meia noite do dia 19, a intervenção das forças coligadas de alguns dos países da CEDEAO, parou e estabeleceu um novo prazo para o 12:00 de dia 20, tendo posteriormente remarcado para as 16:00. Um Jammeh fechado em negociações com Abdoul Aziz e Alpha Condé, não cumpriu qualquer dos prazos. Os dois líderes, da Mauritânia e Guiné Conakry, foram providenciais nas negociações.
  5. Por volta das 19:00 as notícias começam a circular de que Yahya Jammeh deixará o poder sem conflito. Uma delas provém de uma conta de Twitter assinada Adama Barrow mas desapareceria mais tarde.
  6. Yahya Jammeh faz um discurso final na televisão nacional onde aceita deixar o poder.

21 de Janeiro:

  1. Por volta das 03:00 os media começam a confirmar o acordo. Num primeiro momento é de crer que Yahya Jammeh exilar-se-á na Guiné de Alpha Condé. As redes sociais partilham do contentamento.
  2. Kanilai, a aldeia natal de Jammeh, uma ilha na Gâmbia?
  3. A proibição das redes sociais é levantada na Gâmbia
  4. Jammeh à saída.
  5. Jammeh parte da State House.
  6. Jammeh embarca. 
  7. É emitido um comunicado por parte da CEDEAO, onde se lê:

4. In furtherance of this, ECOWAS, the AU and the UN commit to work with the Government of The Gambia to ensure that it assures and ensures the dignity, respect, security and rights of HE former President Jammeh, as a citizen, a party leader and a former Head of State as provided for and guaranteed by the 1997 Gambian Constitution and other Laws of The Gambia.
5. Further, ECOWAS, the AU and the UN commit to work with the Government of The Gambia to ensure that it fully guarantees, assures and ensures the dignity, security, safety and rights of former President Jammeh’s immediate family, cabinet members, government officials, Security Officials and party supporters and loyalists.
6. ECOWAS, the AU and the UN commit to work with the Government of The Gambia to ensure that no legislative measures are taken by it that would be inconsistent with the previous two paragraphs.
(…)
13. ECOWAS, the AU and the UN will work with the Government of The Gambia to ensure that former President Jammeh is at liberty to return to The Gambia at any time of his choosing in accordance with international human rights law and his rights as a citizen of the Gambia and a former head of state.
14. Pursuant to this declaration, ECOWAS will halt any military operations in The Gambia and will continue to pursue peaceful and political resolution of the crisis

Jammeh terá garantido a sua protecção futura, relativamente a algum processo, fazendo crer que as declarações iniciais de Barrow poderão ter precipitado os acontecimentos.[109]

  1.  Jammeh chega a Conakry mas especula-se que estará a caminho de Malabo na Guiné Equatorial. O avião é proveniente desse país, onde Teodoro Obiang terá dado luz verde para o asilo.
Yahya Jammeh. Photo by Amanda Lucidon / public domain

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Ricardo Falcão

Researcher at CEI-IUL. Anthropologist and PhD in African Studies, I have chosen as my field the country Senegal. My PhD thesis is on the appropriation of information and communication technology in Senegal. Research interests: Senegalese youth, bodily practices, sexuality, tradition/modernity, social hierarchies, postcolonial studies, Sufi Islam/pagan cults, land property, and patron/client relations.

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