Jihads, Jihadismo e Jihadistas no Sahel

A região saheliana, a par de se ter tornado numa das mais importantes plataformas africanas de tráfico de armas, de droga e de medicamentos fraudulentos, tem sido nos últimos anos palco de inúmeras e espectaculares acções terroristas atribuídas na sua quase totalidade a grupos jihadistas. No essencial, ligados à Al-Qaïda ou fazendo parte da constelação dos que se auto reivindicam componentes do Estado Islâmico, estes grupos são, ainda que inadequadamente, conhecidos, sem mais, como grupos salafistas.

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No Sahel, os ataques a povoações, os massacres de populações, as destruições de infraestruturas, os raptos e, sobretudo desde 2011, as acções bélicas visando o controlo de povoações e das respectivas populações por parte dos grupos jihadistas têm-se sucedido. Os mortos contam-se em milhares, os deslocados em largas dezenas de milhares e o número de pessoas, incluindo raptadas, vivendo actualmente em territórios controlados por estes grupos contam-se em várias centenas de milhares.

Nesta década, destacam-se duas acções pela sua envergadura bélica e duração

A que permitiu a grupos rebeldes tuaregues aliados a grupos jihadistas guardarem, durante algum tempo, o controle efectivo do norte do Mali e declararem-no como independente sob o nome de Estado Independente do Azawad.

E a que permitiu ao Boko Haram, um grupo islâmico inicialmente afecto à filial da Al-Qaïda no Magreb (AQMI), e actualmente reivindicando-se de Província da África do Oeste do Estado Islâmico (Wilāyat al-Sūdān al-Gharbī), destabilizar uma vasta zona do nordeste da Nigéria e das regiões limítrofes de países vizinhos (Níger, Chade, Camarões), e manter até hoje, sob o seu controle, no estado nigeriano de Borno, várias  povoações importantes e centenas de milhares de pessoas.

A região do Sahel

A região saheliana foi um notório palco de conflitos armados no passado – em boa parte mais de cariz étnico do que religioso – de que são exemplos o irredentismo tuaregue, os conflitos entre “árabes” e “saras” no Chade, ou os conflitos entre populações de diferentes pertenças étnicas na Nigéria desde bem antes da independência, que se têm mascarado por vezes de conflitos entre cristãos e muçulmanos. Há ainda que lembrar uma primeira leva de terrorismo muçulmano “por contágio” da insurreição salafista na Argélia encabeçada pela Frente Islâmica de Salvação (FIS) nos anos 1990 e, mais recentemente, as primaveras árabes e o consequente rápido desmoronamento do Estado e da autoridade do Estado em países como a Tunísia, o Egipto e, sobretudo, a Líbia.

Dotados de Estados frágeis, com altos índices de corrupção, com níveis de pobreza altíssimos e com forças armadas pletóricas, mal treinadas e equipadas, enredadas nas pequenas e grandes corrupções e tráficos e bastante inoperantes, os países sahelianos foram pasto fácil para as acções, primeiro, propagandísticas e, depois, militares dos grupos jihadistas. Grupos que, como se sabe, para além de disporem de importantes recursos financeiros, logísticos e humanos, de forte motivação ideológica e de apreciáveis capacidades técnicas de propaganda, rapidamente, por via do recrutamento de mercenários da ex-Legião Africana de Khadafi, melhoraram em muito a sua operacionalidade militar.

As conquistas territoriais pelos grupos jihadistas, para além do laxismo e das conhecidas incapacidades das forças armadas de países como o Mali e a Nigéria, devem-se, em parte significativa, ao enquadramento dos combatentes pelos ex-legionários e ao acesso a armas sofisticadas, na sua maioria traficadas dos arsenais da Líbia. Devem-se também à possibilidade dada a estes grupos de recrutarem em massa, na “movida” jihadista internacional, combatentes devotados e mesmo com alguma experiência de guerra.

A queda de Khadafi – um facto maior no quadro das relações entre o Magreb e o Sahel –  e a “movida” jhadista – um dado incontornável no panorama do terrorismo muçulmano iniciado no Afeganistão e no Cáucaso nos anos 1990 e continuado com o descalabro do Iraque e, já nesta década, com a guerra civil na Síria – vieram dar novos fôlegos ao jihadismo no Sahel.  Mais capacidade militar, mais espetacularidade e mais acções é certo, mas também, pela incorporação nos diferentes grupos de militantes de variadíssimas origens e com diferentes percursos pessoais na causa do jihadismo, uma maior integração das “pequenas” jihads do Sahel na Jihad Global.

Um novo e grande Califado está também na “íntima convicção” de muitos jihadistas do Sahel a romper por aí dia mais dia menos dia!

Para saber mais

Caitriona Dowd & Clionadh Raleigh, 2013, Governance and Conflict in the Sahel’s ‘Ungoverned Space’

Cristina Barrios & Tobias Koepf (eds), 2014, Re-mapping the Sahel: transnational security challenges and international responses

James Adewunmi Falode, 2016, The Nature of Nigeria’s Boko Haram War, 2010-2015: A Strategic Analysis

Laurent Bossard, 2014,  Um atlas du Sahara-Sahel – Géographie, économie et insécurité

Marc-Antoine Pérouse de Montclos, 2014, Nigeria’s Interminable Insurgency? Addressing the Boko Haram Crisis

 

Tuareg rebels, Photo by Magharebia / CC BY 2.0

Map by LesEchos.fr

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Eduardo Costa Dias

Researcher at CEI-IUL. PhD in Social Anthropology. Professor at the Department of Political Science and Public Policies, and director of the PhD program in African Studies (ISCTE-IUL). Research interests: the State, relations between Muslim dignitaries and the State, and the transmission of religious knowledge in the islamic society of Senegambia.

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