O Simbolismo de Obama

Em 2017 acaba a presidência de 8 anos de Barack Obama. Analisando o legado de Obama, torna-se incontornável salientar o simbolismo que este presidente teve para os EUA e para o mundo. Este não é apenas mais um presidente liberal, Obama foi a tentativa de cumprir o ideal universalista do liberalismo. Isto é, Obama representou a ideia de que o liberalismo não é apenas uma moralidade particularista europeia mas que é verdadeiramente universal também na praxis. Assim, um afro-americano com um nome de tradição não-europeia foi eleito líder do chamado “mundo livre”.

Imediatamente se sentiram as reacções do lado republicano, principalmente questionando a nacionalidade de Barack Obama, assim como as suas filiações religiosas (que muitos pensaram serem muçulmanas). Tais acusações vieram a revelar-se infundadas. Obama define-se acima de tudo como um liberal internacionalista que considera que o mundo está demasiado interligado para se enveredar por isolacionismos identitários. Ao nível do subconsciente, é possível dizer que esta postura anti-identitária é a real razão para os ataques dos descontentes. Na essência, criou-se uma forte divisão ideológica entre identidade e internacionalismo que marcam e irão continuar a marcar a política dos EUA.

O simbolismo de Obama pode ser analisado ao nível interno e externo.

Política externa

O internacionalismo declarado de Obama fez com que recebesse o prémio Nobel da paz numa fase em que ainda pouco tinha feito e que premiou acima de tudo a sua retórica. Em retrospectiva, ele foi genericamente coerente com a sua filosofia. Ao nível económico, procurou acordos multilaterais de livre comércio com o resto do mundo. Conseguiu-os com países da América Latina e da Ásia, tendo o acordo de parceria transpacífico um lugar de destaque. Ademais, Obama apoiou o TIPP (acordo de livre comércio com a União Europeia), mas que não se concretizou.

Ao nível dos conflitos que herdou, apesar de não ter retirado totalmente as tropas do Afeganistão e Iraque, reduziu-as substancialmente. Por outro lado, aplicou o seu internacionalismo intervencionista à primavera árabe, onde apoiou revolucionários anti-autocracia na Líbia e na Síria, tendo como resultado, não a implantação de democracias liberais, mas sim a criação de deslocações populacionais, guerras civis e instabilidade governamental. Uma situação também apelidada de inverno árabe.

Ademais, ao visar uma maior união internacional dos povos, Obama revelou antagonismo perante aqueles que, rejeitando a moral liberal, demonstraram defesas identitárias. A relação com Israel foi difícil, pois Obama via com maus olhos a expansão israelita. Um dos últimos actos da sua administração foi precisamente condenar os colonatos israelitas na palestina. O mesmo antagonismo foi mostrado em relação à Rússia de Putin, principalmente depois da intervenção deste último na Crimeia.

Política interna

Obama gastou grande parte do seu capital político com o projecto Obamacare. Desta forma, tentou universalizar o acesso aos cuidados de saúde, protegendo os mais pobres na sociedade. A eficiência de tal projecto é ainda hoje muito criticada. Contudo, revelou a mundivisão geral da administração Obama: uma combinação de internacionalismo económico e relacional com um Estado social interno que apoie os “perdedores” da globalização.  Obama foi também um grande promotor do culto da emancipação anti-tradicionalista, defendendo direitos LGTB não só na sociedade americana mas também em África. Sobre as fracturas étnicas internas, apesar de Obama ser visto como o representante da América pós-racial, os problemas a este nível adensaram-se durante a sua presidência. Tal levou Obama a tomar posição na crescente política de identidade e a proferir que “a discriminação racial está profundamente cristalizada na sociedade americana”.

O Legado

Com mais ou menos sucesso, Obama foi em larga medida coerente com o que se propôs fazer. Contudo, o que ele representa dividiu profundamente a América e o ocidente. Ao contrário do que hoje em dia é sugerido, não foi Donald Trump que criou os “The Divided States of America”. A vitória de Trump representa sim a rejeição do caminho indicado por Obama. A classe trabalhadora americana tradicional renegou o modelo de internacionalismo económico (com Estado social interno) para abraçar o proteccionismo mais identitário. De certa forma, Trump é a negação de Obama. Se Obama será recordado positivamente ou não irá depender da direcção política e moral para onde a história americana se dirigir. Os vencedores, já se sabe, contam a história. Contudo, ele deverá estar consciente que sai da casa branca para dar lugar a um presidente eleito que rejeita o seu simbolismo.

Barack Obama. Photo by Pete Souza. Public domain.

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Filipe Faria

Research associate at CEI-IUL. PhD in Politics (King’s College London). Research interests: Social and Political Philosophy, Political Economy, Biopolitics.

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