O amor e o terrorismo: uma estratégia para o recrutamento e a violência
O “terrorismo é um ato de amor”: a uma causa, uma ideologia, a um grupo ou até à ideia de obter uma recompensa divina. Não é por acaso que o terrorismo do século XIX é também conhecido por “terrorismo romântico ou justiceiro”. De forma simplificada, este artigo discute duas dimensões da relação entre terrorismo e sexualidade, sobretudo associada ao jihadismo.
- O amor enquanto arma de recrutamento
O “apelo ao amor” não é uma estratégia exclusiva do terrorismo. Também o crime organizado, ou as redes de prostituição ilegal, usam o amor como armadilha para recrutamento. No âmbito do terrorismo, o estudo de Nina Käsehage (2017) é elucidativo[1].
Entre 2012 e 2016, Nina entrevistou 175 jovens seguidores da ideologia salafista-jihadista e identificou três tipos de militantes, um dos quais o “apaixonado” ou aquele que se sente seduzido pelo recrutador. Nina ilustra esta tipologia com o caso de uma jovem de 18 anos que, consternada pela morte da irmã, o seu laço afetivo mais próximo, sentiu-se seduzida pelo recrutador, desejando casar com o jihadista. Esta é uma situação distinta do Síndrome de Estocolmo porque, pelo menos numa primeira fase, não há intimidação.
Segundo a investigadora, do ponto de vista da Psicologia a explicação recai sobre a “abertura cognitiva”, ou seja, a predisposição para procurar novas perspetivas de vida, na sequência de um evento traumático, que resulta no rompimento das ligações familiares.
A provocação de sentimentos amorosos junto de indivíduos vulneráveis, aliada à promessa de uma vida “pura” e dotada de melhores condições económicas e sociais, foi uma das estratégias principais de recrutamento do Estado Islâmico (Daesh). De acordo com os Serviços de Informações do Canadá, a propaganda do grupo baseou-se na promoção de uma “jihad 5 estrelas”, centrada no acesso a uma vida com “serviços de saúde”, “alojamento gratuito”, “escola para os combatentes e filhos”, constituindo uma “oportunidade para os indivíduos solteiros obterem para si escravas sexuais ou concubinas”[2].
Essas mulheres, que geralmente são atraídas por ideias românticas de apoio aos revolucionários e da vida num estado que venera a sua religião, vêem-se rapidamente num sistema institucionalizado, quase uma linha de montagem, que fornece esposas, sexo e filhos aos combatentes. E quando os maridos são mortos, espera-se que rapidamente casem com outros islamistas
- O amor como motivo para a violência
Em rigor, não é o “amor” que funciona como um motivo para a violência, mas a alegada repressão sexual dos jihadistas. As causas para a violência terrorista são múltiplas, e as razões para a repressão são pessoais, mas a dimensão sexual é um aspeto importante porque afirma-se como um possível catalisador. Bin Laden, líder da al-Qaeda, soube capitaliza-la em nome da jihad, relacionando-a com as “privações do Islão” (como a alegada abstinência imposta aos muçulmanos até ao casamento). Informações sobre a vida de Sayyid Qtub, um dos principais ideólogos da ideologia salafista que inspirou Bin Laden, ou dos terroristas do 11/9, revelaram que os indivíduos tinham aversão ao sexo e às mulheres, mas também um forte fascínio e desejo, o que os predisponha a comportamentos agressivos e ao envolvimento com prostitutas. Após o seu assassinato em Abbottabad (2011), a intelligence norte-americana descobriu que tinha consigo diversos vídeos pornográficos.[4]
A estratégia do Daesh é similar. Em “ISIS and the Pornography of Violence” (2019), Cottee desenvolve a temática comparando a propaganda do grupo com a indústria pornográfica norte-americana, expondo a relação entre os fenómenos. Por exemplo, e tal como ilustra a história da sobrevivente Yazidi Nadia Murad, a frustração sexual foi um dos argumentos recorrentes dos jihadistas para “justificar” a violência perpetrada sobre aquela minoria iraquiana. Atualmente, estimativas das Nações Unidas apontam que, diariamente, mais de 3.000 mulheres, raparigas e crianças foram abusadas sexualmente pelo grupo.[5] Em 2016, em uma reunião do Conselho de Segurança, o antigo Secretário-geral Ban Ki-moon afirmou que a violência sexual constitui uma “tática de terrorismo”, “usada para atrair combatentes e fazer dinheiro”, sendo um “crime de guerra” à luz do Direito Internacional.[6] António Guterres, o sucessor, tem reiterado estas palavras, sublinhando que constitui uma “grave ameaça à paz e segurança internacionais”; “e um flagelo na consciência da humanidade”[7].
As opiniões expressas neste texto representam unicamente o ponto de vista do autor e não vinculam o Centro de Estudos Internacionais, a sua direcção ou qualquer outro investigador.
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Referências:
[1] Käsehage, N. (2017). De-radicalising Militant Salafists. Perspectives on Terrorism, Vol. XI; 1. Pp. 77-79. https://www.universiteitleiden.nl/binaries/content/assets/customsites/perspectives-on-terrorism/2017/issue-1/perspectives-on-terrorism-volume-11-issue-1-2017.pdf [2] CSIS (2016). Al-Qaeda, ISIL and Their Offspring: Understanding the Reach and Expansion of Violent Islamist. CSIS – Canadian Security Intelligence Service. https://www.canada.ca/content/dam/csis-scrs/documents/publications/ISLAMIC%20STATE_REPORT_ENGLISH.pdf [3] “A Vida no Estado Islâmico”. Público/Washington Post. https://www.publico.pt/2015/10/18/mundo/noticia/a-vida-no-estado-islamico-1711251 [4] “Pornography Is Found in Bin Laden Compound Files, U.S. Officials Say”. The New York Times. https://www.nytimes.com/2011/05/14/world/asia/14binladen.html?_r=0 [5] “Cerca de 3.000 mulheres e meninas yazidis são submetidas a cada dia à violência sexual do DAESH” https://www.trt.net.tr/portuguese/vida-e-saude/2017/08/04/cerca-de-3-000-mulheres-e-meninas-yazidis-sao-submetidas-a-cada-dia-a-violencia-sexual-do-daesh-783735 [6] “No Conselho de Segurança, Ban alerta sobre violência sexual como terrorismo”. https://news.un.org/pt/audio/2016/06/1174971 [7] “Nações Unidas querem fim da violência sexual em conflito até 2030” https://news.un.org/pt/story/2020/06/1717402
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