Presidente Trump ou: a Lei de Murphy como Guia para Antever as Relações EUA-África
Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos da América no passado dia 8 de Novembro. Devido à forma simplista e desinteressante com que foi conduzida a campanha do presidente eleito, sabemos muito pouco sobre a agenda Trump. Qual será a agenda da sua administração para o continente Africano? Este é um exercício difícil, de elevada suposição, opaco nas suas conclusões, mas liminarmente indicativo de tendências políticas e económicas. Tendo como pano de fundo apenas a semântica das posições assumidas por Donald Trump, arrisco traçar algumas linhas gerais sobre o que serão as relações entre os Estados Unidos e os países do continente Africano. Atrevo-me a orientar esta relação em três grandes áreas: política, economia, e “wishful thinking”.
Política
A leitura mais pragmática que se poderá fazer das parcas ideias partilhadas por Donald Trump durante a sua campanha é a de que o continente Africano, à excepção dos graves problemas relacionados com a migração e o jihadismo, será sobejamente irrelevante na sua política externa. Não necessariamente por opção, mas devido à existência de outros pólos de interesse que requererão a quasi-totalidade da atenção da administração Trump.
Tal não significa que as políticas de Donald Trump não encontrem eco nas sociedades Africanas. A contínua perda de autoridade moral dos EUA, potenciada pela vitória do presidente eleito, poderá levar à solidificação de poder de regimes e líderes autoritários ao mesmo tempo que sentencia a vulgar hipocrisia dos últimos, não mais obrigados a assumir credenciais democráticas em roupagens liberais.
A pressão interna de sectores políticos favoráveis ao desenvolvimento Africano no sentido de direccionar a administração Trump a adoptar uma agenda progressiva será irrelevante face à ambígua oposição de Donald Trump em relação aos lobbies e lobbyistas de Washington D.C.
As agências de ajuda ao desenvolvimento, de promoção dos direitos humanos, justiça, e equidade certamente sofrerão não apenas profundos cortes de financiamento, mas um retrocesso moral muito substancial, já que na visão Trump aparentam simbolizar o liberalismo que enfraquece os EUA perante os seus inimigos. Donald Trump já anunciou que países que odeiam os EUA não mais usufruirão da sua beneficência. Aparentemente, “fazer a América grande outra vez” implica destruir grande parte do soft-power acumulado durante o século XX.
Por outro lado, os aliados Africanos na guerra ao terror manter-se-ão. Países como a Etiópia, Quénia, ou Uganda são aliados importantes. Espera-se, inicialmente, que o aparelho administrativo Americano continue a exercer a agenda externa Obama face aos silêncios na agenda política do presidente eleito.
Economia
No foro económico, a antevisão é de “business as usual.” Africa é, e continuará a ser, um mercado de commodities sem industria transformativa. Nesse sentido, não se espera que a administração Trump se dedique a promover uma maior integração dos mercados Africanos na economia mundial. Se o tratado AGOA – African Growth and Opportunity Act, que elimina as barreiras tarifárias à importação pelos Estados Unidos de alguns produtos de alguns países da África subsaariana se mantiver, poderá ser, por si só, uma vitória. Sabe-se que Donald Trump não gosta de tratados económicos e comerciais.
O elemento mais importante na relação económica entre o continente Africano e a administração Trump encontra-se fora de África. Trata-se de facto da República Popular da China. Se Donald Trump optar por competir directamente e agressivamente em termos económicos com a China, então essa competição marcará presença indelével no continente Africano.
Wishful thinking
Temas aos quais tendemos a dar um spin-off positivo. Eis três argumentos que ouvi, debati, e li durante esta semana:
- Uma hipotética competição económica entre os EUA e a China em África terá como consequência o desenvolvimento das economias Africanas. Wishful thinking.
- Donald Trump é um homem de negócios pragmático e perceberá que, para controlar os fluxos migratórios e derrotar os grupos jihadistas, terá de, entre outros elementos, apostar no desenvolvimento dos países mais afectados por estes fenómenos. A administração Trump rapidamente perceberá que terá de apostar em promover reformas políticas, administrativas, institucionais, e económicas nos países Africanos para afectar estruturalmente a vida destes movimentos. Wishful thinking.
- Como Paul Zeleza argumenta no blog AIAC, a perda do modelo democrático Americano poderá ter repercussões positivas nos democratas e democracias no sul global, principalmente em África. A conjuntura Trump desintoxica da teoria democrática e de “governance” as tiranias do universalismo e excepcionalismo Americano, já que demonstra o vazio do modelo de “democracia madura” como fonte de inspiração para a construção democrática Africana. A ideia é a de que os democratas Africanos poderão encontrar no retrocesso da influência democrática Americana espaço suficiente para desenvolverem os seus próprios modelos. Uma ideia interessante… Wishful thinking.
Mais urgente e preocupante que todos estes aspectos é o posicionamento do presidente eleito relativamente às alterações climáticas. O continente Africano é já a região do globo mais vulnerável às alterações climáticas, por várias razões. O possível retrocesso dos acordos de Paris, para além de esvaziar a liderança Americana nesta matéria, imbuiria países como a Índia ou a Indonésia a exponenciar a utilização de combustíveis fósseis para acelerar o seu desenvolvimento e retirar centenas de milhões de pessoas da miséria, tal como os países ditos desenvolvidos fizeram. Este sim é um cenário tendencialmente apocalíptico e bem real, que levou Noam Chomsky a considerar o partido Republicano – por negar continuamente os efeitos das alterações climáticas – como a organização mais perigosa a nível mundial.
Donald Trump and Mike Pence, Photo by Gage Skidmore / CC BY-SA 2.0
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