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A grande oposição

As propostas europeias de Macron podem estar aquém do que necessitamos, mas estão muito além do que tem sido proposto a partir de algum dos maiores países da UE.

Podemos criticar, lamentar ou até deplorá-lo, mas a grande oposição política do nosso tempo é entre nacionalismo e cosmopolitismo. Negá-lo é que não passa de tolice. As eleições francesas são, depois do Brexit e de Trump, apenas o caso mais recente que confirma esta tendência, acrescentando-lhe ainda o colapso dos dois maiores partidos nacionais. Desse ponto de vista, a eleição mais parecida com a francesa não é sequer a presidencial americana nem o referendo britânico, mas uma outra que arrasou com os maiores partidos de um país europeu e pôs frente-a-frente o candidato de um partido fundado por nazis contra um candidato ecologista e pró-europeu que era filho e neto de refugiados. Foi na Áustria. Ganhou o candidato pró-europeu e pró-refugiados, por muito pouco.

Basta pensar um pouco para entender a força desta oposição. Não podemos proclamar todos os dias que os problemas essenciais do nosso tempo são os da globalização, das alterações climáticas, da financeirização capitalista, da automação que pode roubar milhões de postos de trabalho, das multinacionais que fogem aos impostos, da crise global de direitos humanos que deveria ser o verdadeiro nome da “crise dos refugiados” — e depois dizer que pouco importa a oposição entre fechamento e abertura, entre eurofobia e europeísmo, entre recusa do estrangeiro e cidadania global, entre acreditar que os problemas se resolvem pelo regresso às fronteiras nacionais e acreditar que eles só se conseguem resolver através da cooperação internacional. Mesmo as lutas contra a desigualdade, o desemprego e a pobreza, tal como o combate pela preservação do estado social precisam dos recursos e da coordenação que só se podem obter a um nível europeu ou global. Recusá-lo é, também, recusar enfrentar o problema com algo mais do que mera retórica.

Nestas duas semanas que faltam até à decisão definitiva dos franceses, antecipo muita tergiversação, muita confusão ideológica e muito preconceito. Mas nunca como hoje é importante saber de que lado se está — e, sobretudo, como se está. Essa é uma decisão crucial, nomeadamente à esquerda. A esquerda que acredita poder roubar os votos nacionalistas à direita através de uma recusa do projeto europeu acaba por reforçar o argumentário que leva uma Marine Le Pen até perto do poder.

Ao não fazê-lo, a esquerda deixa a defesa da Europa a Emannuel Macron, sobre quem espero ouvir todas as críticas nos próximos tempos: que é centrista, que é liberal, que já foi banqueiro, etc. Tudo isso é verdade. Ao mesmo tempo — expressão favorita de Macron, que já foi criticado por querer tudo “ao mesmo tempo” e já pôs milhares a gritar “ao mesmo tempo” nos seus comícios — ele é o candidato que mais assumiu a defesa do projeto europeu, supostamente impopular hoje em dia. Foi ele que mais claramente disse aos franceses: se quiserem recuperar a soberania francesa em tempo de globalização, só o poderão fazer através da construção de uma soberania europeia. Esse discurso, que pretende — ao mesmo tempo — conciliar a transformação de uma França presa nas suas hierarquias e nas suas exclusões sociais, que quinze anos depois repete a presença da extrema-direita na segunda volta, com a reconstrução de um projeto europeu que mal vai sobrevivendo sem ideias, é um discurso essencial nos dias de hoje. Macron correu o risco de o fazer, e será provavelmente recompensado por ele.

É desaconselhável, portanto, descontar Macron como se fosse apenas um peso-ligeiro. Mesmo a partir de Portugal, as suas propostas europeias — um orçamento para a zona euro, um imposto sobre as multinacionais ao nível da UE e o lançamento de convenções democráticas em todo o continente — podem estar aquém do que necessitamos, mas estão muito além do que tem sido proposto a partir de algum dos maiores países da UE. Menos desprezo intelectual e ideológico, portanto, por quem apesar de tudo propõe um discurso positivo que conta também connosco.

Ler artigo completo na edição do jornal Público.

Palais de l'Elysée, Paris. Photo by TouN, CC-BY-SA-3.0.

 

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Rui Tavares

Researcher at CEI-IUL. PhD in History (École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris). Member of the European Parliament and rapporteur for refugee and human rights issues in Hungary (2009-14). Research interests: History; Portuguese cultural and political history; European Union history and theory.