O que são Estudos Africanos, afinal?
O que são Estudos Africanos, afinal? Que importância têm os estudos religiosos no contexto dos Estudos Africanos?
Nos contextos vigentes, os Estudos Africanos parecem ser, ainda, uma grande área científica em luta dentro do ambiente das Ciências Sociais e, acima de tudo, consigo própria. Enquanto grande área do conhecimento, os Estudos Africanos comportam uma panóplia de disciplinas que vão da linguística à história, da arqueologia à ciência política, da antropologia à arte. Não é, pois, de estranhar, que Paulin J. Hountondji, tenha questionado se estas disciplinas que depositam o seu olhar sobre África «simplesmente se sobrepõem umas às outras, estudando o mesmo objecto a partir de perspectivas e ângulos diferentes, ou serão, pelo contrário, interdependentes ao ponto de estarem sujeitas a crescer ou desaparecer juntas?» (2008: 150). A pergunta é pertinente e, como o autor endereça, não podemos negar que estas disciplinas dialogam entre si, partilhando metodologias e propostas, ao terem por laboratório um mesmo vasto cenário geográfico. Neste emblemático trabalho, o filósofo natural do Benim, levanta ainda, outro problema – o da perspetiva em causa. Historicamente, os Estudos Africanos são discursos científicos, elaborados a partir de diferentes disciplinas do saber, sobre África e não feitos de África ou por africanos. Tal facto acarreta uma série de problemas e desafios, mas também de mais-valias. Se por um lado a alteridade é sempre jogada em bruto contra o eurocentrismo, ou as categorias em análise são por demasiadas vezes forjadas do ambiente judaico-cristão, em casos positivos as narrativas têm o mérito de ver para além das prisões da vivência. O debate não pode ser subtraído, naturalmente, quer da evolução das narrativas sobre África, desde os missionários, quer da evolução das disciplinas com os seus postulados científicos sempre em revisão. Pense, por exemplo, no impacto que o evolucionismo teve na análise das culturas africanas ou ameríndias. Mas também, igualmente, sobre o conhecimento que se veicula ‘de dentro’ e ‘de fora’ (Delmos J. Jones 1970).
Em segundo lugar, os Estudos Africanos não estão independentes da diáspora. Já dizia Stuart Hall (2003) que a África que vai bem é a da diáspora, feita no turbilhão colonial. Esta ideia vai contra os pesquisadores do início do século XX que saíram em busca das sobrevivências africanas no Novo Mundo, como Melville Herkovits. O que é real, na África e na diáspora, é a dinâmica híbrida e o intenso bricolage, como lhe chamou Bastide (1970).
Quer isto dizer que os Estudos Africanos são marcados pelas negociações científicas entre escolas de pensamento ocidentais e tentativas autóctones de produção de caminhos alternativos. Vale reconhecer que a ideia de Estudos Africanos parece redimensionar o problema, porquanto simplifica uma geografia de tal ordem plural. Pese tal, a grande área dos Estudos Africanos tem um caminho importante a trilhar, sabendo-se capaz de se despir das agendas que parecem pautar a academia a partir de pressões externas. Até que ponto os Estudos Africanos podem ficar prisioneiros de projetos quase exclusivamente devotados às questões devedoras da ciência política? Até que ponto a criatividade dos Estudos Africanos não está acantonada às emergências políticas da Democracia Liberal?
Isto conduz-me à pergunta inicial: O que são os Estudos Africanos? Esta questão não parece fácil de responder muito menos numa pequena reflexão. Em todo o caso, os Estudos Africanos devem ser uma grande área de conhecimento, capaz de acolher a economia, a ciência política, a biologia, a arte, a história, a antropologia, a filosofia, a arqueologia, e tantas outras ciências exatas, humanas e animais.
Chego por fim à derradeira pergunta: qual o lugar dos estudos religiosos no contexto dos Estudos Africanos? Historicamente, os primeiros relatos sobre África foram produzidos em contextos missionários, de viajantes e colonizadores. A religião, necessariamente, foi o aspeto central destes relatos. Muitas sociedades africanas, foram e são, devedoras do lugar da religião nas suas estruturas sociais e políticas. A interpenetração entre religião e política é uma evidência em inúmeros povos africanos. No entanto, os estudos religiosos vêm desaparecendo da agenda dos Estudos Africanos e aparecendo na História, na Antropologia ou na Ciência das Religiões, enquanto grandes áreas de saber. Uma viagem pelo cenário académico português revela-nos que as religiões africanas e suas derivadas ocupam um espaço mínimo no panorama de investigação. A laicização social tornou-se numa laicização científica. Esta minoração dos estudos religiosos não é de somenos importância. Não que a religião deva ser o cerne dos estudos sobre África. Essa agenda é demasiado clássica e evolucionista para caber nos paradigmas vigentes. O que importa é não deixar os Estudos Africanos capturados pelas agendas externas à academia, pelos projetos desenvolvimentistas e pelas ilusões diplomáticas. Estudar as religiões, num contexto em que os choques civilizacionais, tal como Huntington preconizava, têm por base aquelas, torna-se imperativo. Ademais, a religião, qual lida por enfoques como a autenticidade ou as tensões ideológicas podem fornecer dados interessantes para outros saberes. Isto numa altura em que os meus colegas investigadores-doutorandos em Estudos Africanos se surpreendem com a minha agenda sobre religião. “Porquê religião?” é uma pergunta que não deveria caber no nosso ambiente científico.
Liberia, Africa, Photo by blk24ga, CC BY 3.0.
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