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Acordo para governo na Alemanha: Um jogo de cedências sem vencedores?

Pela manhã de quarta-feira, dia 7 de Fevereiro, foi finalmente alcançado o acordo entre a CDU, da Chanceler Angela Merkel, a sua congénere bávara, CSU e o SPD, de Martin Schulz, com vista à definição do que será o próximo governo de Grande Coligação alemão. Este acordo permitiu que todos, na Alemanha e na Europa, respirassem de alívio. Caso estas negociações tivessem falhado, a alternativa seria a convocação de novas eleições e as perspetivas eram muito negativas para os partidos tradicionalmente presentes nos governos de Berlim. Na verdade, segundo sondagens recentes, quer a CDU quer o SPD poderiam ter resultados ainda mais negativos do que os alcançados em Setembro de 2016, que foram os piores dos últimos cinquenta anos para ambos.

Acordo para governo na Alemanha: Um jogo de cedência sem vencedores?

O acordo alcançado foi o resultado de vários dias – e uma noite – de negociações entre as três forças políticas. Apesar de ainda haver muitos detalhes por conhecer, o sentido geral do acordo representa a concessão por parte da CDU de pastas chave para o SPD. Martin Schulz ficará como Ministro dos Negócios Estrangeiros, o que já era expectável, uma vez que é assim em todas as coligações governamentais germânicas – o segundo partido da coligação fica com o MNE; mas ficará também com o importantíssimo Ministério das Finanças, e os ministérios mais relevantes para a sua base de apoio: Trabalho e Assuntos Sociais; Família; Justiça; Ambiente. Para além disto, será também do SPD o Vice-Chanceler. Por seu lado, a CDU fica com os ministérios da Defesa, Economia e Energia, Educação e Investigação, Agricultura e Alimentação, para além da Chancelaria. A CSU, partido-gémeo da União Democrata Cristã, fica com a tutela do Ministério do Interior (muito importante, sobretudo no caso da gestão da questão dos imigrantes); Transportes e Infraestruturas digitais e do ministério da Cooperação Económica e Desenvolvimento. Segundo o próprio líder da CSU, Horst Seehofer, Schulz recusaria fechar o acordo sem garantia de que os social-democratas ficariam com a pasta das Finanças. O nome sugerido para ocupar o cargo que foi outrora de Wolfgang Schäuble é o de Olaf Scholz, tido como um liberal entre as alas do SPD e já apelidado pela imprensa alemã como o equivalente a Merkel do SPD. Não será de esperar muitas modificações na tendência geral da política financeira interna da Alemanha. No entanto, poderemos esperar uma maior flexibilidade e conciliação no que concerne à política financeira do ponto de vista europeu, sobretudo em relação aos países em maiores dificuldades da zona euro.

Do mesmo modo, a gestão dos assuntos europeus, tema tão caro a Schulz como a Merkel, será dividida entre a Chancelaria e o MNE, apesar de o ex-Presidente do Parlamento Europeu ter anunciado como grande objetivo do seu mandato a “luta pela renovação da União Europeia”. Schulz será um bom parceiro para as iniciativas anunciadas pelo Presidente Francês, Emmanuel Macron, há alguns meses, e por isso também a Europa respira de alívio com o acordo alcançado.

Acordo possível: Mas será aprovado?

O principal patamar das negociações foi alcançado esta semana, mas ainda faltam algumas semanas para sabermos efetivamente qual o elenco governativo.

Tal como aconteceu em 2013, Martin Schulz decidiu colocar a aprovação do programa de coligação dependente das bases do partido. Apesar de ser uma decisão meritória, implicará uma demora adicional à entrada em funções do governo em Berlim. Mas, sobretudo, será uma jogada arriscada, uma vez que as bases do SPD estão profundamente divididas.

São várias as vozes e os argumentos contra a participação do SPD na coligação governamental. Por um lado, argumenta-se que o SPD não deveria voltar a associar-se aos governos de Merkel, pois terá sido esse o motivo de desgaste do partido, que teria levado ao péssimo resultado eleitoral de setembro do ano passado. Por outro lado, há outras vozes que argumentam que, fazendo parte do governo, o partido xenófobo e antieuropeísta Allianz für Deutschland (AfD) será a principal força de oposição, dando-lhe assim um protagonismo que seria de evitar. Tentando responder a esta questão, Schulz já anunciou que se o programa governamental for aprovado pelas bases sociais-democratas, irá deixar a liderança do partido de modo a que haja um relativo distanciamento entre o elenco governamental e a chefia do SPD. A sucessora mais provável é Andrea Nahles, até agora líder parlamentar.

Das vozes que se fazem ouvir na opinião pública social-democrata salienta-se o enérgico líder dos Jusos (Juventude Social-democrata), Kevin Kühnert. Tem sido um dos mais ativos opositores à participação do SPD nas conversações e da própria liderança de Schulz, e apela intensamente para um chumbo do programa de coligação. Este chumbo, e consequente afastamento do governo, daria ao SPD tempo para uma profunda análise interna e renovação programática, com vista à recuperação do seu eleitorado. Na verdade, a crise interna do SPD não se deve tanto às diferenças geracionais (emergência de uma geração que praticamente só conhece Merkel como Chanceler), mas sobretudo à incapacidade de se adaptar a novos desafios e realidades vividos pela Alemanha.

Serão estes os desafios para as próximas semanas: a aprovação do programa de governo da Grande Coligação pelas bases do SPD e a discussão que a acompanhará. Tendo em conta os procedimentos que é necessário adotar, apenas haverá certezas do que irá acontecer em Berlim a partir de 4 de Março (data prevista da votação das bases do SPD).

Oberbaumbrücke, Berlin. Photo by Philipp Dase / Public domain

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Ana Mónica Fonseca

Postdoctoral researcher at CEI-IUL. Guest Assistant Professor at ISCTE-IUL. Researcher at IPRI-UNL. Research interests: Southern Europe democratic transitions, Portuguese-German relations during Cold War, transatlantic relations, German History, democracy promotion and transnational history.