Africa, o Continente “País”
Africa Is a Country
A polémica é antiga e dá título a um blog sobre o continente Africano muito popular entre os interessados, o Africa Is a Country, título irónico de tão falacioso, embora amplificado pelas sugestões de pesquisa do Google quando se escreve “Africa is…”, sendo a primeira “a country”.
Este é um de vários estereótipos que se debateram no dia 30 de setembro na Noite Europeia dos Investigadores, que teve lugar no Museu de História Natural, onde o CEI marcou presença promovendo debates através do visionamento de documentários sobre várias temáticas, entre elas os estereótipos que se associam ao continente Africano.
O tema continua pertinente esta semana porque um dos vídeos “trending” no YouTube mostra-nos Boris Johnson, Foreign Secretary do governo Britânico, um dos arquitetos do Brexit e antigo Mayor da cidade de Londres, a dizer, “Life expectancy in Africa has risen astonishingly as that country has entered the global economic system”. Traduzindo, a esperança média de vida em África aumentou de forma surpreendente desde que esse país entrou no sistema económico global.
Uma das características que poderia caracterizar vários dos países do continente Africano é de facto a forma historicamente pouco ortodoxa como estão introduzidos no sistema económico mundial, sumariamente caracterizada por relações de dependência, como aliás havia escrito Jean-François Bayart.
Porém, embora virtualmente todos os sites noticiosos tenham dado alguma importância a este segmento do discurso de Boris Johnson, não restam dúvidas de que se trata de um lapso e não de ausência de conhecimento acerca da organização e geografia política do continente.
No entanto, e sobretudo quando se fala de estereótipos, é exatamente no lapso que devemos focar as nossas atenções.
Em particular, atentar ao que Freud chamou de ato falhado, lapso freudiano ou parapráxis, ou seja, a ideia de que este tipo de erros recorre a uma opinião reprimida que ecoa no inconsciente do indivíduo. Será esta uma verdade subjacente e reprimida do inconsciente do chefe da diplomacia Britânica? Tais leituras são puramente especulativas e pouco ajudam em explicar porque é que esta ideia de África como país é tão recorrente.
A premissa etnocêntrica aqui subjacente, isto é, a imposição do imaginário individual de sociedade na comparação com outras sociedades desconhecidas, será fruto de processos históricos relacionados com a colonização e exploração “das Áfricas”, juntamente ao viés dos canais de media quando falam genericamente e despreocupadamente “da guerra” em África ou da fome em África, por oposição ao conflito entre as FARC e o governo Colombiano ou a guerra na Crimeia. Esta última região é de facto bastante reveladora deste viés, já que se espera que o leitor ou o telespectador saiba onde é a Crimeia, pequeníssima península Ucraniana no Mar Negro, ao mesmo tempo que se generaliza a região com maior diversidade humana do globo num único termo, África.
A desmistificação, compreensão e explicação de muitas destas ideias preconcebidas que ao longo do tempo têm formado estereótipos bem disseminados é parte integrante do trabalho conduzido por cientistas sociais espalhados por todo o mundo.
Nos estudos de área, particularmente no campo dos estudos africanos, tem havido um esforço bastante rigoroso, sobretudo desde o período de descolonização, em desconstruir vários dos estereótipos erguidos pelo colonialismo europeu. É através de conceitos como o “decolonise knowledge”, descolonizar o conhecimento, que se assentam as primeiras bases para um conhecimento científico verdadeiramente livre de estereótipos.
Boris Johnson, photo by Surrey County Council News / CC BY-ND 2.0
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