As eleições presidenciais em França

França a votos na ressaca de mais um ataque

O atentado da passada quinta-feira, no coração da capital francesa, veio marcar a recta final de uma campanha presidencial turbulenta. Karim Cheurfi, 39 anos, disparou uma arma automática sobre os polícias que guardavam a saída de metro de Franklin Roosevelt, nos Campos Elísios. O disparo resultou em um morto e dois feridos, todos eles polícias. Cheurfi, autor dos ataques, foi abatido no local enquanto tentava fugir.

Karim Cheurfi já era conhecido das autoridades e estaria, alegadamente, a ser seguido pelos serviços secretos franceses. O procurador de Paris, François Molins, revelou que Cheurfi era francês, nascido em Livry-Gargan, um subúrbio localizado a nordeste de Paris. No cadastro contava com quatro prisões, entre 2001 e 2014, por tentativa de homicídio, actos violentos e roubo, avança o diário francês Le Monde. Molins revelou que o Karim Cheurfi era conhecido pelas autoridades, e disse que já este ano o homem “procurou obter armas e fez declarações sugerindo que queria matar polícias”, afirmou Molins.

Junto do corpo de Cheurfi, as autoridades encontraram uma mensagem de apoio ao auto-proclamado Estado Islâmico. Dentro do carro, o perpetrador do ataque tinha um exemplar do Corão, uma caçadeira, armas brancas e várias munições.

França tem medo do Islão?

Logo após o ataque, Marine Le Pen e François Fillon cancelaram as acções previstas para o último dia da campanha eleitoral. No entanto, registou-se um movimento curioso: Marine Le Pen subiu nas intenções de voto dos franceses, de acordo com uma sondagem da Odoxa. A candidata da extrema-direita gaulesa já era apontada como favorita à vitória da primeira volta das eleições francesas, a decidir este domingo, 23 de Abril, ainda que as previsões apontassem para uma derrota na segunda volta.

Neste momento, Le Pen conta com 23% das intenções de voto dos franceses, apenas derrotada pelo candidato centrista, Emmanuel Macron, que regista 24.5% das intenções de voto.

A candidata da Frente Nacional sempre fez do anti-islamismo a sua bandeira. Sobre os ataques desta quinta-feira, Le Pen escreveu, no site oficial da Frente Nacional, que “a violência que reina em França” é o resultado da acção quotidiana de “milícias de extrema-esquerda e islamo-esquerdistas” que agem “com toda a impunidade”. “Depois de dois mandatos de laxismo total, é hora de meter a França em ordem”, conclui a candidata.

Sobre os motes “Estamos em casa” e “Restaurar a ordem em França” e a hashtag #AuNomduPeuple (ou, em português, “em nome do povo”), a campanha da candidata pautou-se pelos valores do populismo e do proteccionismo. Se for eleita, Le Pen afirma que irá submeter a referendo a saída da França do euro, reforçar as fronteiras, restringir as relações económicas e diplomáticas com os países que apoiem o “fundamentalismo islamita”, fechar as mesquitas salafistas e regular a imigração legal, pondo um fim definitivo à imigração clandestina.

As perspectivas para a segunda volta

Com reais possibilidades de passarem à segunda volta estão outros três candidatos: François Fillon, Emmanuel Macron e Jean-Luc Mélenchon.

Ao longo dos últimos meses, o favorito na corrida ao Eliseu foi o conservador François Fillon. O antigo-primeiro ministro francês observou o declínio da sua própria popularidade com o estalar do escândalo que o associava ao emprego fictício da sua mulher, Penélope Fillon, enquanto assistente parlamentar. O caso, denunciado pelo jornal satírico Le Canard Enchaîné, pôs a nu uma situação que custou aos contribuintes vários milhares de euros. Este candidato alinhou o seu discurso com o de Marine Le Pen no que diz respeito ao sentimento anti-imigração e anti-islâmico.

Já a popularidade de Emmanuel Macron seguiu o caminho inverso. O candidato centrista é quem, neste momento, se apresenta como o potencial vencedor em ambas as voltas destas eleições. Marine Le Pen classificou-o como o seu verdadeiro adversário. Durante a sua campanha, Macron sublinhou que a integração europeia continua a ser a única forma de proteger os europeus da globalização. Acredita na moeda única e no projecto europeu, desde que entre numa lógica verdadeiramente federal – uma verdadeira “Europa das Nações”. Quer abrir a França ao mundo, mas sem se esquecer de pensar nas consequências.

Acreditava-se que estas seriam umas eleições a três, mas Jean-Luc Mélenchon veio baralhar as previsões. O candidato da extrema-esquerda ultrapassou em popularidade o socialista Benoît Hamon. Uma das medidas que mais apoiantes lhe valeu foi a promessa de um imposto aplicado aos que tiverem um rendimento acima de 360 mil euros anuais. Não sendo a favor do mecanismo europeu de estabilidade, também não se afirma anti-imigração.

Um país amedrontado

Feitos os retratos dos quatro principais candidatos ao Eliseu, resta escrever o que todos estão a pensar: o atentado de quinta-feira teve potencial para mudar as intenções dos eleitores?

A resposta não é fácil. Num escrutínio com demasiados cenários possíveis, qualquer elemento tem potencial para mudar de forma drástica o rumo destas eleições. Para muitos indecisos, poderá ter sido o elemento decisor que os vai inclinar para uma abordagem mais à direita, num sentido mais protecionista e virado para o que é “ser francês”.

Mas o que é ser francês? O jornal francês Liberátion publicou, em Março, uma edição especial feita exclusivamente por refugiados. Anmar Hijazi, jornalista síria e refugiada, escolheu fazer um trabalho sobre os apoiantes da direita e da extrema-direita em França e explorou, também, a questão da identidade francesa.

Durante o comício de Le Pen, Hijazi escreveu que sentiu medo: “Sou refugiada. Supostamente sou a causa do desemprego, do terrorismo e da perda da cultura francesa”. Quando Hijazi perguntou o que é ser francês a um dos militantes da Frente Nacional, ouviu que “A França somos nós, que aqui estamos, as boas pessoas. Aqui estamos em casa”.

Este militante ecoava um dos slogans mais fortes da campanha de Le Pen: “Estamos em casa”. Mas casa é um conceito mutável, tal como conclui Hijazi: “eu também estou em casa, estou na casa dos meus amigos, num país que me abriu os braços”, reflectiu.

Este domingo disputa-se a primeira volta das eleições presidenciais francesas. Em jogo, estão muito mais do que ideais políticos e questões económicas. As questões sociais, como a imigração e a islamofobia, são assuntos quentes numa França abalada por vários atentados violentos ao longo dos últimos dois anos. E podem ser o exemplo – bom ou mau – do caminho que a Europa vai seguir.

Fontes utilizadas

 

Photo by Chabe01 - Own work, CC BY-SA 4.0.

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Inês Chaíça

Student at the Master in International Studies (ISCTE-IUL). Undergraduate degree in Communication Sciences.

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