De Paris/França a Juba/Sudão do Sul vão quatro mundos de distância
Fomos sacudidos nos últimos dez dias (escrevo a 28 de março) por ataques na Europa. Um em Paris, um em Londres, um evitado em Antuérpia. O mundo parou. Parou o Aeroporto de Orly e todos os noticiários internacionais, parou o Parlamento e o Governo do Reino Unido e todos os noticiários internacionais e, enquanto se lembrava um ano sobre os atentados em Bruxelas, alertou-se, por breves momentos, de um atentado evitado em Antuérpia. Discutiu-se logo, como ainda continua, sobre o grau de radicalização dos atacantes, as possíveis ligações internas, as influências recebidas pela internet e se tinham, ou não, ligações diretas com extremistas e terroristas. Importante, mas será o mais importante?
A discrepância mediática
Durante o mesmo período houve 23 ataques, desde a Chechénia na Rússia (6 mortos), o Sinai no Egito (10 mortos), Maiduguri na Nigéria (8 mortos), Helmand no Afeganistão (6 mortos) até Veracruz no México (9 mortos). Desde o princípio do ano já se registam 310 ataques e quase 2.000 vítimas mortais. São ataques, muitos com a mesma motivação, mas com efeitos diferentes, e para não descrever todos, permitam-me alguns exemplos. Primeiro, o ataque de 20 março em Bagdade que causou 23 mortos e 73 feridos onde foi utilizado um carro bomba numa zona comercial e que deu algumas linhas nos jornais e uma ou outra ocasional notícia nos canais de informação porque nos nacionais generalistas nem sequer entrou. Segundo, um ataque não efetuado e por isso não reportado, no dia 22 de março onde foi, com sucesso, desarmada uma criança bomba, com 7 anos, no Iraque. Terceiro, uma notícia que apareceu em muitos dos noticiários internacionais, mas apenas como uma informação em rodapé, onde foram decapitados 40 polícias no Congo no dia 25 de março. Por último, lembrar o recente relatório da ONU, de 24 de março, sobre o desastre em desenvolvimento no Sudão do Sul com mais de dois milhões de pessoas em risco iminente.
O flagelo das alterações climáticas: 2016 o ano mais quente de sempre
Se tudo isto não fosse suficientemente grave, saiu o anúncio do Relatório anual das alterações climáticas, pela World Meteorological Organization que será publicado em breve, e que confirmam os piores cenários previstos: já estamos com 1,1 graus de temperatura acima da média, superámos a concentração de dióxido de carbono em mais de 400 partes por milhão, o degelo afetou mais 4 milhões de quilómetros quadrados e as secas severas, o recorde de temperaturas e a ausência de chuvas piorou imenso. 2016 foi o ano mais quente de sempre e, pelo menos, nesta desgraçada área do Norte de África, já se espera um aumento em 2017 de quase 20 milhões de novos refugiados do clima a somar aos da guerra e da fome.
De Paris/França a Juba/Sudão do Sul são mesmo quatro mundos de distância
O primeiro é o mundo da indiferença porque nada justifica a dose maciça de notícias em torno dum incidente em Orly quando comparamos com a ausência de notícias da tragédia do ataque em Bagdade quase ao mesmo tempo. Indiferença de quem dá a notícia, de quem as difunde, de quem coloca jornalistas no terreno mas, principalmente, de cada um de nós, porque estamos muitíssimo mais preocupados com o incidente de Orly do que com a vida de um miúdo de 7 anos que foi obrigado a ir-se fazer explodir em nome de causas que nem percebe nem sabe o que significam.
O segundo é o mundo das prioridades que leva centenas de horas de discussões e milhares de páginas escritas sobre perfis e influências quando comparadas com as preocupações de quem tem a responsabilidade de gerir o caos no Congo quando confrontado com a execução sumária, decapitações, de agentes da autoridade. É um mundo sem mundo porque assente em realidades exclusivamente locais quando, afinal, muitos dos problemas são causa e consequência de questões globais e, lá está, faltam as prioridades claras em saber onde mais é necessário agir.
O terceiro é o mundo da responsabilização. Em Paris procuraram-se, imediatamente, possíveis bodes expiatórios entre as agências governamentais, para atribuir culpa pela não deteção deste “perigoso radical”, no meio de um período atribulado de eleições em que tudo serve para esgrimir pequenos argumentos e, no Sudão do Sul, ao contrário, ninguém pensa já em responsabilizar governantes ou oposições porque todos partem do princípio que esses são parte do problema e não da solução. O drama, a tragédia, a vergonha de ver milhares, milhões de homens, mulheres e crianças a morrerem à fome, a serem vítimas diárias de abusos de toda a espécie, é da responsabilidade de todos mas, como parece, apenas muitos poucos se preocupam em assumir.
O quarto é o mundo dos recursos. Vimos no relatório sobre as alterações climáticas que há vastas zonas, em especial no norte e no centro de África, onde as secas são quase permanentes, onde deixaram de crescer plantas, onde falta água e alimentos e os refugiados aumentam em milhões a cada ano. Tudo indica, infelizmente, que esta situação se continue a agravar e, de Paris, onde se assinou a Cimeira que deu esperança ao mundo, em travar, ou pelo menos, em atrasar, os terríveis efeitos das alterações climáticas, chegam-nos notícias, de outras partes, na vontade de recuar sobre o acordo assinado.
Por mais que se queira criar distância o mundo é mesmo redondo. Estamos e somos consequência de vida de uns sobre os outros e ignorar, esquecer ou varrer assuntos que parecem distantes é, numa análise muito fria, um ato de irracionalidade. Quando analisado com emoção, é um ato de profunda indiferença sobre o sofrimento humano. Pelo que, sendo a frio ou a quente, estes ataques e eventos dizem-nos respeito a todos, porque somos mesmo todos, parte de um mesmo mundo que não se afasta em quatro distâncias artificiais.
South Sudan, February 2014. Photo by Oxfam East Africa / CC BY 2.0
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