E agora, Brasil?
Já não é de hoje que da situação política brasileira emana um terrível fedor a situação pré-ditatorial.
É admissível achar que a governação de Lula operou uma transformação social do Brasil para muito melhor e que o Partido dos Trabalhadores, sob a liderança do mesmo Lula, pegou num sistema político que já era corrupto e não só não fez nada para o reformar como amplificou mesmo os vícios políticos do país, a começar pelo próprio “mensalão” com que comprou votos de congressistas — a exemplo do que tinha antes criticado veementemente com a presidência precedente do PSDB.
É possível também admitir que o tempo de Lula na política brasileira já poderia ter sido encerrado pelo próprio e pelo PT, para dar lugar a uma nova geração de políticos que contribuíssem para um Brasil menos polarizado. O mito de Lula é desmesurado, e ao mesmo tempo que gera ódios insanos, também acaba por secar a sua própria área política. E isto é independente do famoso processo do “triplex do Guarujá”, que segundo a investigação do juiz Sérgio Moro teria sido oferecido a Lula pela construtora OAS em troca de favores políticos mas de que comprovadamente nem Lula nem a sua família usufruíram (além de, claro, não terem nenhum título de propriedade dele em seus nomes — o que em si pode não ter significado caso houvesse um usufruto indireto através de um testa de ferro). Mas o processo do “triplex” não está ainda fechado, de forma que teremos de esperar para ver se configura, ou não, corrupção.
É admissível até, como já vi nas páginas do PÚBLICO, perceber os argumentos a favor da decisão do Supremo Tribunal Federal de manter a prisão após confirmação de uma sentença em segunda instância e perceber os argumentos de quem diz que a metodologia do processo contra Lula tem, a vários momentos, laivos indesmentíveis de perseguição política: vejam-se as escutas libertadas para a imprensa antes de validação judicial, com o intuito de influenciar a opinião pública. É certo que o Brasil está muito polarizado. Nós não temos de estar polarizados com ele. Custa-me a entender que haja gente tão obcecada com Lula que não tenha tempo para reconhecer que a forma como Sérgio Moro investiga, sentencia e vem para as redes sociais lançar foguetes é tudo menos típico de um juiz sério num estado de direito.
O que não é de todo possível, parece-me, é olhar para o que se está a passar no Brasil e não estar preocupado com o presente e o futuro da democracia brasileira. Já não é de hoje que da situação política brasileira emana um terrível fedor a situação pré-ditatorial.
Lula da Silva a ser carregado pela população antes de se entregar. Photo by Francisco Proner (Farpa Foto Coletivo) / Public domain
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