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O futuro político da Alemanha

A Alemanha começou o Ano Novo com uma realidade política quase inédita: o país é liderado por um governo de gestão, uma vez que ainda não foi possível encontrar qualquer solução para formar uma coligação para governar Berlim. De facto, desde as eleições de Setembro de 2016 que vão decorrendo conversações e tentativas de encontrar uma base comum entre as diferentes opções existentes. No entanto, tendo falhado essas negociações, o que vigora hoje em dia – e possivelmente até Março ou Abril deste ano – é um governo em funções, a trabalhar com um orçamento e poderes limitados. Não obstante, o país não parece ressentir-se desta situação, como o demonstram os mais recentes resultados da economia germânica, com a taxa de desemprego mais baixa desde a reunificação no início da década de 1990.

Os resultados de Setembro de 2017 e possibilidades falhadas de uma coligação “Jamaica”

As eleições de 24 de Setembro de 2017 revelaram uma imagem muito distante da estável e coesa Alemanha a que nos tínhamos habituado. Apesar de garantir um quarto mandato na corrida à chancelaria, Angela Merkel teve uma vitória de Pirro, ao ter o resultado mais baixo da CDU/CSU desde o pós-guerra, com a consequente perda de votos e de deputados no Bundestag. Por outro lado, a ascensão do partido de extrema direita, antiliberal e xenófobo Allianz für Deutschland (AfD), que obteve uma votação histórica muito assente no descontentamento da população com a gestão de Merkel da crise dos refugiados, fez soar os alarmes não só em Berlim, mas por toda a Europa. Pela primeira vez desde os anos 1960, um partido de extrema direita chegou ao parlamento alemão, com 13% dos votos e 94 deputados.

Os outros partidos do arco da governação germânica não tiveram melhor desempenho que a União Democrata-Cristã de Merkel. O Partido Social-Democrata (SPD), liderado por Martin Schulz, antigo presidente do Parlamento Europeu, obteve um mínimo histórico em termos de votação e de deputados eleitos, uma derrota rapidamente identificada com a perda de identidade do SPD, decorrente da sua participação nas coligações governativas dos últimos anos. Os Verdes e os Democratas-Liberais (FDP) são os outros partidos que obtiveram assento parlamentar, tendo por isso perfilado para serem parceiros de coligação de Merkel. Seria a chegada a Berlim de um governo “Jamaica”, pelas cores que tradicionalmente identificam estes partidos (preto para a CDU/CSU, amarelo para o FDP e verde para os Grüne).

Depois da recusa inicial de Martin Schulz em entrar numa nova Grande Coligação, as primeiras negociações governamentais centraram-se na possibilidade de um governo Jamaica. No entanto, as diferenças profundas em questões determinantes, como sejam a economia, as questões da crise de refugiados e imigrantes ou as políticas de energia acabaram por deitar por terra qualquer possibilidade de entendimento. As negociações foram interrompidas pela saída do FDP.

O SPD como solução para o governo alemão?

Perante o desfecho negativo das conversações entre CDU/CSU, Verdes e Liberais, a pressão foi colocada em cima de Martin Schulz, líder do SPD, de modo a que este aceitasse sentar-se à mesa de negociações com Merkel e Seehofer (líder da CSU). Uma das estratégias dos Sociais-Democratas para a resolução do problema governativo alemão seria a formação de um governo democrata-cristão minoritário, que teria o apoio parlamentar do SPD, evitando assim comprometer-se excessivamente com um novo governo Merkel, mas garantindo alguma estabilidade política e, sobretudo, que o AfD não seria a principal força de oposição no Bundestag.

No entanto, as negociações que começam formalmente neste fim-de-semana em Berlim centrar-se-ão sobretudo na ideia de que apenas uma Grande Coligação poderá garantir a estabilidade governativa necessária à Alemanha para enfrentar os desafios que surgirão. Esta é a posição de Merkel e os seus associados, enquanto que Martin Schulz, Malu Dreyer e outros social-democratas se focarão nas outras opções avançadas, nomeadamente na criação do governo minoritário.

A questão migratória no centro da tempestade

Como seria de esperar, as conversações entre a CDU/CSU e o SPD não serão fáceis nem óbvias. Existem muitas questões fracturantes entre os dois lados. A primeira é sem dúvida a questão das políticas migratórias. O esforço de Merkel em acomodar quase um milhão de refugiados entre 2015 e 2016 teve consequências directas no seu resultado eleitoral e granjeou-lhe muitos opositores, inclusivamente dentro da União. O sector mais conservador da CDU esta longe de concordar com o “Wir schaffen das” (“nós somos capazes”, expressão recorrentemente usada pela Chanceler ao ser confrontada com as crescentes dificuldades trazidas pela sua decisão de abrir as portas aos refugiados), assim como a CSU ou grande parte do eleitorado. Enquanto a CSU se recusa a abdicar de uma posição mais dura no que diz respeito à autorização de entradas no país ou ao corte de apoio sociais para os refugiados, o SPD exige uma política de apoio à reunião alargada de famílias de refugiados a viver na Alemanha.

No entanto, apesar de ser uma das questões mais polémicas da realidade alemã, a política migratória não será a única a criar tensão nas negociações de Domingo. A reforma do sistema de saúde, um projecto antigo dos social-democratas, trará certamente choques com a União, que se opõe fortemente. Outra questão colocada no centro das negociações será a integração europeia. Todos os partidos são europeístas e defendem o aprofundamento da integração, mas com ritmos e graus de profundidade distintos. Aqui a questão será a gestão das expectativas dos eleitorados, sendo que Schulz personifica uma quase total adesão às propostas mais vanguardistas do Presidente francês, Emmanuel Macron, que passam pela criação de um orçamento e um Ministério das Finanças comum a Zona Euro. Por seu lado, Merkel e a CDU também apoiam algumas das medidas de Macron, aliás bem visível nos seus discursos de ano novo, mas não irão tão além como Schulz, que inclusivamente defendeu recentemente a criação dos Estados Unidos da Europa dentro de alguns anos. Por fim, um ultimo ponto de discórdia e tensão nas negociações será a despesa militar. Quer a CDU como a CSU concordam que será desejável aumentar o orçamento da defesa alemão, nomeadamente alcançando a meta de 2% do PIB indicada pela NATO.

Quatro meses depois, a fragilidade de Merkel

As negociações serão então duras e complexas e o SPD parte de uma posição negocial mais dura, sobretudo tendo em consideração que será uma das últimas oportunidades para a formação de governo sem recorrer a uma nova eleição. Caso as conversações entre SPD e CDU/CSU falharem, não restará outra hipótese que não a convocação de novas eleições pelo Presidente Federal, Frank-Walter Steinmeier. Porém, o processo é complexo e implicaria uma moção de censura à Chanceler federal, o que a fragilizaria ainda mais. Segundo sondagens recentes, do Die Welt e do Bild, um cada vez maior numero de alemães deseja que Merkel se afaste, o que se transforma numa clara maioria no caso de as negociações com o SPD falharem. Na verdade, o que se tem vindo a assistir é que há um crescente desgaste de Angela Merkel na cena política alemã, mas não só. Apesar de Macron contar com a líder alemã para alcançar as suas ambiciosas propostas, não deixa de ser notório que cada vez mais se coloca em causa a sua duração no cargo de Chanceler, inclusivamente a sua utilidade para uma conclusão bem-sucedida das negociações.

Claramente que a próxima semana será vital na resolução desta situação de instabilidade política na Alemanha. Porém, a solução estará longe de ser alcançada e o mais seguro dos prognósticos será que o novo governo de Berlim seja conhecido apenas na Primavera.

Angela Merkel. Photo by Arno Mikkor / CC BY 2.0

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Ana Mónica Fonseca

Postdoctoral researcher at CEI-IUL. Guest Assistant Professor at ISCTE-IUL. Researcher at IPRI-UNL. Research interests: Southern Europe democratic transitions, Portuguese-German relations during Cold War, transatlantic relations, German History, democracy promotion and transnational history.