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O Jornalismo cada vez mais ameaçado

O dia 30 de abril de 2018 ficou marcado por dois atentados em Cabul, no Afeganistão. Estes atentados resultaram na morte de 31 civis. Poderíamos dizer que se tratou, “apenas”, de mais um dia em Cabul, onde se sucedem atentados à bomba com uma frequência assustadora. Mas os eventos da última segunda feira têm uma particularidade que os distingue dos demais. O primeiro atentado, perpetrado por um bombista suicida , aconteceu no bairro de Shash Darak, onde se localizam o quartel-general da OTAN, várias embaixadas, entre as quais a Embaixada dos Estados Unidos da América, e também a base da televisão do Qatar Al Jazeera.

Este atentado segue um padrão; visava alvos militares e organismos internacionais. E como tantos outros, foi sucedido por um acorrer de pessoal humanitário e de jornalistas, que procuravam cobrir o ocorrido. 20 minutos após o primeiro atentado à bomba, um segundo bombista, disfarçado de cameraman, faz-se explodir no meio dos jornalistas que trabalhavam no local. E é neste aspeto que este atentado difere dos demais. O alvo deste duplo-atentado não eram as instalações da OTAN, nem as embaixadas. O alvo eram os jornalistas que iriam acorrer ao local. E morreram 10, num total de 36 baixas civis.

A vulnerabilidade dos jornalistas em missão perigosa de conflito armado

Este atentado é mais um que demonstra uma realidade que tende a passar despercebida. A violência contra jornalistas no exercício das suas funções é uma realidade gritante e com número assustadores. Até ao dia de hoje (2 de maio) já perderam a vida 32 jornalistas, de acordo com a International Federation of Journalists (IFJ). Nas últimas duas décadas, o ano mais mortífero foi 2006, com uns impressionantes 155 jornalistas assassinados no exercício das suas funções. Apesar de a maior parte destas mortes acontecer em contexto de conflito armado, os relatórios anuais da IFJ demonstram uma realidade inquietante: entre os 10 países mais mortíferos do mundo para os jornalistas, apenas a Síria configura um cenário de conflito armado. À Síria, juntam-se o Iraque, as Filipinas, o México, o Paquistão, a Rússia, a Argélia, a Índia, a Somália e o Brasil.

Que proteção para os jornalistas?

Não sendo o Afeganistão um cenário de conflito armado, a proteção legal dos jornalistas é aquela prevista no direito penal do país. No entanto, no caso particular de conflito armado, onde vigora o Direito Internacional Humanitário (DIH), os jornalistas são protegidos de forma distinta consoante o seu estatuto – correspondentes de guerra, ou jornalistas independentes.

A questão de um emblema distintivo

Enquanto civis em conflito armado, os jornalistas devem identificar-se enquanto tal, fazendo valer um dos princípios fundamentais do DIH, o princípio da distinção. Já desde a década de 1970 que se discute no âmbito da ONU, a adoção de um emblema distintivo para os jornalistas em conflito armado, sem que alguma vez se tivesse chegado a um consenso. As propostas existem – sendo aquela que colhe maior interesse atualmente a da Press Emblem Campaign mas sem colher o apoio necessário.

No entanto, um emblema para os jornalistas tem um efeito perverso, que o atentado de Cabul deixou bem patente; os jornalistas são alvos preferenciais de ataque. E são-no porque a morte de um jornalista é sempre notícia e dá visibilidade a uma causa. As guerras também se fazem junto da opinião pública e os grupos armados usam esse facto  em prol da sua causa. Um emblema para os jornalistas identifica-os mais facilmente à distância, mas o que deveria ser um instrumento de proteção, torna-se um perigo iminente. Não surpreende, portanto, que haja uma resistência nesta matéria. Enquanto isso, as mortes vão-se sucedendo em total impunidade.

As opiniões expressas neste texto representam unicamente o ponto de vista do autor e não vinculam o Centro de Estudos Internacionais, a sua direcção ou qualquer outro investigador.
Photo / CC BY-SA 3.0

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Rui Garrido

Research Assistant at CEI-IUL. Ph.D. Candidate in African Studies (ISCTE-IUL) researching State homophobia, Human Rights, and social movements in the Lusophone African space. Works for the Lusophone Observatorium for Human Rights (OLDHUM).