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O que se esperar quando não se está à espera…

Pela primeira vez desde o fim da segunda grande guerra, um partido de direita nacionalista chega ao Bundestag

Ao longo de toda a campanha, já se sabia que o AfD (Alternativa para a Alemanha) teria grandes hipóteses de conseguir os 5% necessários, mas nem as melhores sondagens previam 13% dos votos e 94 assentos parlamentares. Um feito ainda mais notável se tivermos em conta que o partido nasceu apenas em Fevereiro de 2013 como partido de protesto contra o resgate económico-financeiro da Grécia por parte da UE, mas que paulatinamente começou a fazer da imigração e do islamismo a sua narrativa ideológica de base. E números não lhe faltam: 1 milhão de refugiados/imigrantes entraram no país desde 2015 fugidos da Síria e do Iraque e 3 milhões de pessoas de origem turca e religião muçulmana já vivem na Alemanha. Para o AfD (partido análogo do UKIP), não há ilusões: querem bikinis e não burkinis e há que parar a islamização da Alemanha.

O partido que, em 2013, conseguiu 4,7% dos votos, foi o inequívoco vencedor da noite

Mas a renúncia do assento no grupo parlamentar da co-fundadora do partido Frauke Petry  vem confirmar que a liderança bicéfala do partido espelha duas visões antissistema, antiliberalismo e capitalismo que deixa antever que o principal desafio interno é transformar a sua propaganda protestatária num programa real para a Alemanha que vá para lá das críticas ferozes contra os refugiados e o Islão, bem como contra o euro e o empobrecimento das economias menos competitivas.

Não obstante, é certo que, com a ascensão da AfD, saem derrotados os discursos integracionistas e humanitários conotados com os partidos do arco da governação alemã que, desde 2015, acederam em acolher um milhão de refugiados. Para o SPD de Martin Shulz é o pior resultado de sempre e uma reflexão interna é não só necessária, mas urgente. Por sua vez, Angela Merkel admitiu que não estava à espera do pior resultado desde que é líder do partido. A CDU que, em 2013, alcançou o melhor resultado desde 1990, 41,5% dos votos e 311 deputados, ficando a apenas 5 deputados da maioria absoluta, não conseguiu mais que 33,7% dos votos (-8,7%). Merkel entra assim no seu quarto mandato consecutivo, mas perde deputados e parceiro de coligação, o que no máximo pode ser analisado como uma vitória de Pirro em que as cedências serão negociadas até ao limite.

Líder da CDU desde o ano 2000 e chefe de governo desde 2005, Merkel é a líder europeia mais antiga em funções (já conheceu quatro presidentes franceses), viveu a crise bancária (2008), a crise do Euro (2010) e a crise dos refugiados (2015), mas com a recusa do SPD para negociações tendo em vista uma grande coligação, é agora obrigada a negociar com o partido dos Verdes e dos Democratas liberais (ideologicamente opostos em questões-chave como a imigração, o futuro dos carros a diesel ou a liberalização do carvão) para assegurar uma maioria estável para a Alemanha nos próximos quatro anos (solução à Jamaica pela cor dos partidos ser coincidente com a cor da bandeira daquele país).

A progressão dos populistas de direita paralelamente à derrota da CDU e do SPD constituem assim um ponto de viragem histórico para a vida política alemã que não pode ser ignorado

SPD e CDU devem agora aproveitar os congressos internos dos seus partidos para perceberem como podem voltar a captar eleitorado e afastar a Alemanha do nacionalismo xenófobo.  Para além disso, Merkel que previsivelmente cumprirá o seu quarto mandato, igualando o feito do seu mentor Helmut Kohl, tem também a sua derradeira oportunidade para ficar na história da Alemanha e da Europa como a mãe da nova Europa dos cidadãos, que acolhe e integra quando outros se fecham e reforçam as políticas assimilacionistas.

Desde a realização das primeiras eleições no final da segunda guerra mundial, o partido mais votado conseguiu sempre formar uma maioria na Alemanha e governar. É isso que Merkel também espera e que admitiu no seu primeiro discurso pós eleições assumindo que estava consciente dos tempos difíceis que se avizinhavam. Merkel espera que até ao Natal consiga concluir as negociações. Não espera nem deseja que sejam marcadas novas eleições legislativas. Mas em política nem sempre se alcança o que se espera ou pelo menos como se desejaria que se alcançasse.

Conferência Parlamentar do partido AfD em abril de 2017, em Colónia / Photo by Olaf Kosinsky/ CC BY-SA 3.0 de

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Ana Isabel Xavier

Collaborator at CEI. PhD in International Relations (Coimbra University), post-graduation in Human Rights and Democratisation (Coimbra University), Master degree in Sociology (Coimbra University), Undergraduate degree in International Relations (Coimbra University). Research interests: European Union, Security & Defence, Human Security, Human Rights & Globalization