AfricaBurundiHuman RightsSouth AfricaThe GambiaViewpoints

Um Tribunal Penal Regional Africano?

O Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, nos Países Baixos, foi criado em 2002 com a entrada em vigor do Estatuto de Roma (1998). A importância do TPI é incontornável na ordem internacional. Ao prever uma punição severa para os crimes mais graves – genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crime de agressão -, o Tribunal de Haia envia um sinal dissuasor muito forte aos líderes políticos mundiais.

A ação do TPI em África

No final de outubro de 2016 foi notícia a intenção do Burundi, da África do Sul, e da Gâmbia de abandonar o TPI. A manifestação de intenções destes Estados Africanos é o culminar de uma relação muito tensa entre a própria União Africana (UA) e o Tribunal de Haia que durava desde o final da década de 2000. Sobre o TPI recaía a acusação de ter uma política racista e neocolonialista para com o continente Africano, mostrando grande determinação em julgar os seus líderes, quando tal já não se verificava com líderes ocidentais. Atualmente estão dez situações sob investigação pelo TPI, apenas um fora do continente Africano (Geórgia).

A tudo isto a UA tomou uma posição de resistência da ação do TPI no continente. Por várias vezes a UA pediu aos Estados membros que não cooperassem com o TPI (nomeadamente, nos casos dos Presidentes do Sudão e do Quénia). E enquanto a UA tomava uma posição pouco cooperante da ação do TPI no continente, dava passos importantes na criação de uma estrutura penal pan-Africana.

O Estatuto do Tribunal Africano de Justiça e Direitos Humanos

O Estatuto do Tribunal Africano de Justiça e Direitos Humanos (TAJDH) foi introduzido pela primeira vez em 2008, através do Protocolo de Sharm El-Sheik. Este definia a criação de uma estrutura unificada, com jurisdição para decidir sobre todos os casos e disputas relativas à interpretação do Ato Constitutivo da União Africana, da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, e protocolos adicionais.

Até aos dias de hoje, o Estatuto do TAJDH sofreu várias alterações, nomeadamente a introdução de uma nova secção criminal (Protocolo de Adis Abeba, 2012), e a concessão de imunidades dos líderes políticos Africanos à jurisdição do TAJDH (Protocolo de Malabo, 2014). Os líderes Africanos construíam assim uma estrutura penal com competências idênticas às do TPI – inviabilizando a sua ação no continente -, e com a garantia de que não seriam alvo da ação deste órgão jurisdicional.

Tribunal Africano de Justiça e Direitos Humanos vs Tribunal Penal Internacional

A ação do futuro tribunal pan-Africano tem gerado grande ceticismo, até pela evidente politização em favor das lideranças Africanas. Ao contrário do Tribunal de Haia, o TAJDH não será um tribunal independente. Ele é um dos órgãos da União Africana e, nessa medida, estará condicionado à vontade política da União na sua atuação. Por outro lado, o Estatuto do TAJDH não refere qualquer complementaridade com o TPI (que é complementar das jurisdições nacionais). Atendendo a que o Tribunal de Haia se encontrava em funções à data, terá sido esta omissão propositada, tendo em mente a ‘debandada’ a que hoje se assiste? Também não é claro se os crimes da competência do tribunal Africano são imprescritíveis (como acontece com o Estatuto de Roma), ou até se são passíveis de reservas (que o Estatuto do TPI não admite).

Teremos de aguardar pela entrada em vigor do Estatuto do TAJDH para perceber de que forma este órgão pode ser um fator importante no combate à impunidade no continente, ou, por outro lado, se será um instrumento que os líderes políticos terão ao seu dispor para legitimar as suas más condutas.

African Union conference center and office complex in Addis Ababa, Ethiopia, Photo by Maria Dyveke Styve / CC BY-SA 3.0

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Rui Garrido

Research Assistant at CEI-IUL. Ph.D. Candidate in African Studies (ISCTE-IUL) researching State homophobia, Human Rights, and social movements in the Lusophone African space. Works for the Lusophone Observatorium for Human Rights (OLDHUM).