2019: o ano em que a Europa não vai acabar outra vez
Se a Europa não acaba em 2019, e se a questão decisiva é que Europa teremos a partir de 2020, a resposta a essa questão é ainda mais decisiva para Portugal.
Reparo frequentemente que se eu quisesse ser um opinador da moda, e estar sintonizado com as tendências do mundo editorial, o que eu deveria mesmo era escrever sobre o “fim da Europa”. Nos últimos anos têm saído tantos livros sobre o fim da Europa que já deveria haver uma estante especial para eles nas livrarias. Senão vejamos: temos O Fim da Europa, do jornalista americano James Kirchik; Onde a Europa acaba, do cientista político alemão (e meu amigo) Jan-Werner Müller; e até já temos Depois da Europa, do cientista político búlgaro Ivan Krastev. Todos estes livros estão na ponta mais “liberal” (no sentido político) do espectro ideológico, e são escritos a partir de uma perspectiva razoavelmente europeísta e razoavelmente preocupada. Na ponta mais irrazoável do espectro temos A estranha morte da Europa, do jornalista britânico Douglas Murray (resumo: “vêm aí os muçulmanos!”; “os europeus têm poucos bebés!” — e outros argumentos para racistas em linguagem de articulista da Spectator, para o leitor que não se considera racista) e A UE: um obituário, onde o historiador britânico John R. Gillingham dobra a aposta (resumo: viram O Sexto Sentido? A União Europeia é como aquele tipo que já tinha morrido mas ainda não se tinha dado conta disso).
Alguns destes autores tentam diversificar as suas apostas — no estilo “a Europa está para acabar a não ser que faça como eu digo” — para que a previsão não lhes saia furada. Outros autores e opinadores, nomeadamente aqueles que escrevem para reconfortar o público britânico pela sua escolha no referendo do “Brexit”, tentam concentrar num só argumento as duas versões opostas de porque é que, de acordo com os autores, o Reino Unido fez bem em optar por sair da União Europeia: a primeira versão é “toda a gente para lá do Canal da Mancha é idiota e em Bruxelas mais ainda e construíram um barco que se está a afundar e do qual há que sair antes que afunde”, e a segunda é exatamente a oposta, “toda a gente para lá do Canal da Mancha e sobretudo em Bruxelas é malignamente inteligente e estão a construir um super-estado europeu do qual há que fugir antes que se torne excessivamente eficaz”. Às vezes ouve-se a mesma pessoa sequenciar os argumentos “a UE é estado falhado” e “a UE é um super-estado aterrador” sem se dar conta da contradição — nem sequer do facto de que a UE não é, nem precisa de ser, um estado.
Da mesma forma, uma parte destes e de outros autores consideram que o fim da UE é apenas um aspecto antecessório do fim do capitalismo, como no caso do sociólogo alemão Wolfgang Streeck. Para outros, como o supra-citado Gillingham, a UE já acabou exatamente pela razão contrária: por não ser suficientemente capitalista. Quando descontamos os traumas e obsessões ideológicas dos autores — “a UE é uma cabala de capitalistas!”; “não, a UE é uma armadilha socialista!” — acabamos por nos aperceber que o debate sobre o fim da UE nos diz muito mais sobre os autores do que sobre o objeto do debate propriamente dito.
Irei ainda mais longe. Viram O Sexto Sentido? Pois bem, não é a UE, mas o debate sobre o fim da UE, que é como o protagonista do filme, aquele que pensa que está vivo mas ainda não se deu conta que já morreu. E a minha previsão para 2019 é que este será um ano em que a União Europeia não vai morrer outra vez, e também que esse facto só vai excitar mais ainda o debate sobre como a UE está à beira da morte — até ao momento em que nos cansemos desse debate e sigamos em frente.
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