A Gâmbia poderá ser uma nova Côte d’Ivoire?
No início do mês de Dezembro houve eleições presidenciais na Gâmbia, nas quais Adama Barrow – apoiado por uma coligação de oposição – com 45,5% dos votos expressos, destronou o até agora presidente Yahya Jammeh, que obteve 36,7% dos votos. Até aqui nada demais, não fosse Jammeh – que sempre se considerou quase omnipotente no país e de que foi presidente durante 22 anos – inesperadamente, ter acolhido e aceite os resultados eleitorais.
A surpresa foi quando, passada quase uma semana, Jammeh ter, repentinamente, decidido rejeitar os resultados, invocando que a “Comissão Eleitoral Independente (CEI) cometeu erros inaceitáveis” na contagem dos votos, e que “numa região do país os seus apoiantes “sofreram intimidações” e não foram votar” – o que não deixa de ser caricato face à rígida liderança que Jammeh tem mantido sobre o país – pelo que apresentou a sua contestação no Tribunal Supremo.
Segundo o presidente da CEI, Alieu Momar, o recurso apresentado pela Alliance for Patriotic Reorientation and Construction (APRC) não poderá ter qualquer efeito, devido à falta de juízes no Tribunal Supremo – a única instituição habilitada a julgar os conflitos eleitorais.
O que tem a Gâmbia a ver com a Côte d’Ivoire?
A ligação entre os países está no facto de nas eleições presidenciais da Côte d’Ivoire, realizadas em 2010, também o então presidente Laurent Gbagbo ter sido derrotado por Alassane Ouattara, que liderava a oposição.
Em ambos os casos as eleições ocorreram em Dezembro e, enquanto Jammeh aceitou e, inicialmente, reconheceu a derrota, Gbagbo, nunca a reconheceu, apesar de todos os indícios e contagens mostrarem a derrota, e da própria CEI cotedivoirense, na divulgação os resultados provisórios, confirmar a vitória de Ouattara na segunda volta com 54% dos votos. Todavia, dias depois, e face às pressões de Gbagbo e dos seus aliados, o Conselho Constitucional invalidou as eleições. A comunidade internacional, salvo alguns países africanos, deram o seu imediato apoio a Ouattara.
O que aconteceu na Côte d’Ivoire parece estar a reflectir-se na Gâmbia: a intervenção da comunidade internacional, desta vez com imediata tomada de posição (ao contrário do ocorrido com as eleições presidenciais cotedivoirenses) da União Africana, por via do Conselho de Paz e Segurança, e da CEDEAO, que tentam persuadir Jammeh a aceitar a derrota eleitoral. A CEDEAO, através do presidente da Comissão, Marcel Alain de Souza, sublinhou que, apesar da diplomacia estar a ser privilegiada, não exclui a hipótese de uma intervenção militar poder ser equacionada, para que os resultados das eleições presidenciais de 1 de Dezembro sejam respeitados.
Também as Nações Unidas, através do seu emissário para a África Ocidental, Mohamed Ibn Chambas – e fazendo eco de uma declaração unânime dos 15 membros do respectivo Conselho de Segurança – já fizeram chegar a Yahya Jammeh o apelo para abandonar o cargo a 19 de Janeiro de 2017, altura em que termina o seu mandato, respeitando assim “a escolha do povo soberano da Gâmbia, que decidiu transferir, sem condições e sem atrasos, o poder para o presidente eleito, Adama Barrow”.
Em ambos os casos dois factos importantes contribuíram para a não posterior (ou imediata) aceitação de resultados: os vencedores afirmarem desejar uma investigação aos mandatos anteriores e a ideia do TPI poder vir a ser chamado para julgar eventuais crimes políticos – o que, no caso de Jammeh, se pode estender ao tráfico de drogas e armas.
Na Côte d’Ivoire houve um conflito armado interno; na Gâmbia tudo está expectante face à posição das Forças Armadas e respectiva atitude perante a recusa de Jammeh. Alguns indícios já se evidenciam, nomeadamente com o bloqueio, por forças militares afectas a Yahya Jammeh, aos membros da CEI de entrarem no edifício, ou de se barricarem em ruas e junto do palácio presidencial, ainda que não hostilizem quem circule.
Talvez porque uma intervenção armada externa, já sublinhada como uma hipótese por de Souza – por exemplo, no Senegal essa possibilidade tem sido sugerida pela comunicação social deste país como sendo a única hipótese de forçar Jammeh – parece ser cada vez mais evidente, o presidente cessante já avisou que não teme essa eventual hipótese.
Aguardemos que a Gâmbia não repita as acções da Côte d’ Ivoire!
Fontes: Deutshe Welle (em português); Jornal de Angola; Radio France Internationale; Le Monde; R7.com; Porto Canal; BBC; The Guardian; E-Global.
Yahya Jammeh. Photo by Jagga / CC BY-SA 3.0
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