Acerca da ameaça dos Populismos de Direita à Democracia liberal
O recente colóquio organizado pelo Núcleo de Estudantes de Ciência Política do ISCTE-IUL foi uma oportunidade de reflexão sobre a alegada ameaça dos populismos de direita (PDD) à democracia liberal no Ocidente. Em particular, algumas considerações empíricas resultam particularmente úteis para problematizar a ideia da perigosidade desses sujeitos políticos para os sistemas políticos actuais.
O caso de Itália
Em primeiro lugar, a constatação da existência, há pelo menos 25 anos, de PDD relevantes permite avaliar algumas performances de sujeitos políticos destacados e não ceder à incerteza total (“o que vem ai?”) perante o crescendo populista na recente crise económica global.
Nesse sentido, o caso mais emblemático é representado pela Itália da passagem do século, onde a crise da I República representou a janela de oportunidades para a confluência de três diferentes tipos de populismo: o telepopulismo de Silvio Berlusconi (e do seu partido personalista Forza Italia FI), o etno-populismo da Lega Nord (LN) e o populismo neofascista do Movimento Sociale Italiano (MSI depois Alleanza Nazionale AN). Denunciados, na altura, como os coveiros da democracia liberal italiana, estes três PDD governaram juntos em quatro governos, todos liderados por Berlusconi, entre 1994 e 2011. As consequências para o sistema italiano foram menos significativas que para os próprios desafiadores: a força propulsiva da FI atolou-se nos escândalos extrapolíticos do seu leader; o secessionismo étnico da LN foi substituído por um improvável nacionalismo soberanista; o pós-fascismo de AN afundou entre diatribes de vértice, cisões internas e diásporas da base.
A situação na Áustria
O efeito do sistema sobre o PDD é detectável também na Áustria, onde, em 2000, a coligação governamental entre ÖVP e FPÖ de Jörg Haider provocou as sanções diplomática da UE. Acusado de apologia do III Reich, Haider encontrava-se, na verdade, plenamente inserido no sistema político austríaco, tendo sido eleito governador do Land da Caríntia por três vezes (1989, 1999 e 2004) com o apoio da ÖVP e da SPO respectivamente. Também em Viena, o acesso da FPÖ no governo federal teve menos repercussões para o regime que para o próprio partido: má performance dos seus ministros, crise eleitoral, cisões de vértice (a BZÖ de Haider), moderação do discurso. A arregimentação da FPÖ (hoje terceiro partido na Áustria) é apreciável na recente campanha presidencial, onde a ofensiva suportada pelo candidato Nobert Hofer não é comparável com a demonização internacional reservada no passado a Jörg Haider.
A Hungria de Orbán
A convivência dos PDD com o sistema político europeu aflora também no caso húngaro, onde o primeiro-ministro Víctor Orbán é tido como o protótipo da “democracia iliberal”. As suas políticas em matéria de liberdade de imprensa, valores tradicionais e migrações (recente crise dos refugiados) nunca ameaçaram seriamente a filiação do seu partido Fidez no Partido Popular Europeu. Aliás, o ultraconservadorismo de Orbán funcionou, até agora, como barreira ao ultranacionalismo anti-UE do partido Jobbik cujo 14% dos votos, aliás, traduz-se numa oposição parlamentar resoluta ao primeiro-ministro.
Grécia e Reino Unido
O efeito de contenção face à extrema-direita por partidos considerados perigosos é evidente também nos casos grego e britânico. Na Grécia, a ascensão eleitoral de Aurora Dourada em 2012 (de 0.3% para 7% dos votos) coincidiu com a crise do nacionalista LAOS (de 4% para 1.5% dos votos), causada pelo seu suporte ao primeiro bail-out em 2010 e pela sua participação no governo de unidade nacional dois anos depois. No Reino Unido, o antieuropeísta e pro-Brexit UKIP de Nigel Farage teve um papel na desarticulação da base eleitoral do BNP, cativando até as simpatias do leader histórico da ultradireita Nick Griffin uma vez expulso do partido.
O cenário europeu
A concorrência entre os PDD é relevável não só a nível nacional, mas também europeu. Na União Europeia, os PDD não concertaram uma ofensiva comum à liberal-democracia, mas dividiram-se em dois grupos distintos por incompatibilidade identitária: o Europe for Freedom and Direct Democracy (EFDD), liderado pelo UKIP e o Europe of Nation and Freedom (ENF), liderado pela FN francesa. Os dois grupos, por sua vez, não estão livres de tensões internas: em Janeiro de 2017, a EFDD viveu uma crise pela tentativa falhada do relevante membro italiano (Movimento 5 Stelle) de filiar-se no europeísta Alliance of Liberals and Democrats for Europe (ALDE); no mesmo mês, a reunião dos membros da ENF em Koblenza fez emergir uma tendência franco-italiana (FN e LN) claramente inspirada no Brexit e outra austro-alemã (FPÖ e AfD) mais interessada num projecto alternativo à UE que salvaguarde o protagonismo da Mitteleuropa.
Sem pretender prognosticar o futuro dos sistemas políticos nacionais e europeu face aos PDD, determinados indicadores permitem complementar a análise dessa família política e fugir, assim, tanto a sua normalização (o “nada se passa com a chegada dos PDD”) quanto a sua demonização (o “tempos sombrios aprontados por fantasmas do passado”).
Nigel Farange in the USA, photo by Gage Skidmore / CC BY-SA 2.0
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.