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Europa, a nova jangada de pedra

A questão que se coloca agora é saber se não estaremos melhor com uma incerteza verdadeira do que com uma certeza falsa.

Foi no ano em que Portugal e Espanha aderiram à então Comunidade Económica Europeia, predecessora da atual União Europeia, que José Saramago escreveu a sua famosa Jangada de Pedra. No romance, como toda a gente sabe, a Península Ibérica separa-se do resto do continente europeu pelos Pirenéus e começa a deslocar-se pelo oceano Atlântico sem que se perceba muito bem porquê. Cada uma das personagens do livro tem uma suspeita de ter contribuído para o sucedido através de atos ou acontecimentos como fazer um risco no solo que não se consegue apagar ou encontrar um fio de lã azul que não termina de desfazer-se. São acontecimentos que, por si só, nunca poderiam ter provocado aquelas consequências físicas e geológicas: estão no romance porque são uma imagem do desconforto que as personagens sentem com a maneira como o mundo está a rodar à volta delas.

É assim que estamos agora. Por estes dias, a cimeira do G7 reuniu-se no Canadá. Desse encontro de líderes das potências mais industrializadas do mundo duas coisas serão memoráveis.

A primeira é a foto, ou série de fotos, em que os chefes de Estado e de Governo se encontram a discutir o comunicado da cimeira, com os Merkel e Macron de um lado em atitude pedagógica e Trump sentado do outro de braços cruzados como um menino enfadado. A segunda é o pequeno texto do tweet em que Trump, depois de ter aceitado o conteúdo do comunicado, retira a sua assinatura por se considerar desgostado com o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau. E nós ficamos a olhar para as duas coisas, a foto e o tweet, como as personagens d’A Jangada de Pedra olham para o risco na terra ou o fio de lã azul: como coisas aparentemente demasiado pequenas para provocarem o fim da globalização e a quebra do sistema internacional do pós-guerra, mas inegavelmente capazes de lhes servirem de símbolo.

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As opiniões expressas neste texto representam unicamente o ponto de vista do autor e não vinculam o Centro de Estudos Internacionais, a sua direcção ou qualquer outro investigador.

Donald Trump / Photo by Gage Skidmore / CC BY-SA 2.0

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Rui Tavares

Researcher at CEI-IUL. PhD in History (École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris). Member of the European Parliament and rapporteur for refugee and human rights issues in Hungary (2009-14). Research interests: History; Portuguese cultural and political history; European Union history and theory.