A França de Macron vai liderar a linha da reforma da UE

Macron, um Kennedy francês?

A comparação é evidente, pelo optimismo da mensagem e pela juventude do vencedor inesperado das eleições presidenciais. Macron é efetivamente o mais jovem chefe de Estado francês desde Napoleão Bonaparte. Mas o sistema político norte-americano é bem diferente do da França. O sistema política francês fica algures entre o português e o dos EUA. O Presidente da França tem mais poder do que o de Portugal, sobretudo no campo da política externa e de defesa, e é corresponsável pela formação do governo. Mas isso significa que, ao contrário dos EUA em que o executivo é apenas responsável perante o presidente, o governo em França, tal como em Portugal, tem de ter o apoio do parlamento. Portanto, o seu poder tem limites importantes.

No limite é possível que daqui a alguns meses a presidência Macron seja vista como um nado morto. As legislativas francesas de Junho de 2017 serão um teste decisivo. Permitirão perceber se Macron conseguirá o apoio da maioria dos franceses para aplicar a sua agenda, as suas reformas, ou se a sua eleição foi simplesmente um voto no mal menor para impedir a conquista do Eliseu por Le Pen. Ora a sua força na Europa dependerá também da sua força em França.

A seu favor Macron tem a crise dos partidos que dominaram a política francesa durante a V República fundada por De Gaulle em 1958. Por isso, as próximas eleições legislativas franceses serão tão decisivas como estas presidenciais. Será que o novo partido de Macron En Marche conseguirá beneficiar do élan da sua eleição e o Macronismo virá afirmar-se como uma força significativa na política francesa? Será que Macron conseguirá criar uma “geringonça” à francesa, uma coligação mais ou menos inesperada? Ou será que a esquerda radical se federará, respondendo ao apelo de Mélenchon, e consegue afirmar-se em manifestações de rua contra as reformas? Será que Le Pen consegue liderar uma recomposição parcial da direita? Estas são questões decisivas para o peso e a credibilidade de Macron na Europa que só serão respondidas nos próximos meses.

Macron mostrou instinto político com a sua vitória improvável, reclamou em palavras e imagens um papel semelhante ao de De Gaulle ou Miterrand no rassemblement, na reunião dos franceses e na reforma da regime. Falta ao jovem Macron a vasta experiência e autoridade de um e outro, não lhe falta ambição, veremos se conseguirá os apoios necessários para a realizar.

Putin e Trump perderam

O presidente Trump não fez segredo no passado recente do seu apoio a Le Pen. Alguns dos seus conselheiros políticos mais próximos, a começar por Steven Bannon, deixaram clara a sua vontade de destruir a UE que vêm como uma ameaça à sua agenda nacionalista e identitária.

Surgiram várias notícias a apontar para os mesmos grupos ligados ao Estado russo que se envolveram numa campanha de desinformação contra Clinton nas eleições norte-americanas, terem voltado à carga contra Macron. Tal como na campanha presidencial norte-americana foi publicado uma vasto conjunto de e-mails da campanha de Macron para procurar lançar confusão e suspeita na véspera da votação. E é claro que sem a bênção de Putin dificilmente um banco russo teria emprestado milhões para as campanhas eleitorais da Frente Nacional de Le Pen, a qual foi recentemente ao Kremlin manifestar a sua admiração ao líder russo. O investimento russo parece ter sido em vão.

Ironicamente, e mesmo no caso dos EUA de Trump, estas interferências russas têm alimentado um clima de suspeita que tem envenenado quaisquer possibilidades de redução das tensões com a Rússia. Tudo isto mostra que há limites para o impacto das campanhas de desinformação.

Será que Macron fará pagar a Trump e a Putin? É duvidoso. É verdade que Macron deixou claro que ao contrário de Le Pen irá manter as suas distâncias da Rússia de Putin. Mas França dificilmente pode dar-se ao luxo de hostilizar abertamente ao mesmo tempo os EUA e a Rússia. Macron deixou claro que procurará garantir alguma continuidade na política externa francesa.

O próprio Trump, numa mistura de pragmatismo e declarações erráticas no tweeter, já manifestou a sua disposição de trabalhar com o novo presidente francês, a quem cumprimentou pela sua enorme vitória eleitoral, realmente bem superior à dele. Macron, pelo seu lado, deixou claro que irá continuar a trabalhar com os EUA, sobretudo em questões de segurança internacional.

Ironicamente, até há, apesar das enormes diferenças de estilo, pontos de convergência entre Trump e Macron, que emergiram como vencedores surpresa fora dos partidos tradicionais. E não sendo Macron um protecionista no sentido estrito do termo, quer uma UE forte que se defenda melhor do impacto brutal da globalização desgovernada do comércio global. Macron também deixou claro que será uma prioridade o combate ao terrorismo, nomeadamente pelo reforço da cooperação com países aliados. Trump fala muito da ameaça do dito Estado Islâmico, mas Macron está ciente de que a França tem sido o país ocidental mais atacado por este movimento terrorismo jihadista. O combate ao terrorismo e a troca de informações sempre foram áreas em que, apesar dos choques públicos, Paris e Washington colaboraram intensa e discretamente. Parece evidente que a colaboração irá continuar.

As elites da UE suspiraram de alívio, mas Macron lançou-lhes um desafio

O alívio com a derrota de Le Pen foi evidente entre as elites europeias. O dirigente do SPD Sigmar Grabriel, responsável pela diplomacia de Berlim, afirmou que a “França continuará no coração da Europa”. Merkel declarou a sua vitória positiva para “uma Europa forte” e para “a amizade franco-alemã”. No entanto, será provavelmente preciso esperar pelos resultados das eleições alemãs de Setembro para perceber até onde Berlim estará realmente disposto a ir, para além das palavras simpáticas, no compromisso com Macron.

Le Pen, no entanto, alimentou o enorme receio da elite política alemã de se confrontar com uma UE ingovernável e um euro insustentável. O Presidente da Comissão Europeia, Juncker, afirmou que “a França escolheu uma futuro europeu”, mas ele e a demais elite europeia deveria estar bem ciente de que uma minoria significativa dos franceses mostrou grandes dúvidas a respeito do presente e do futuro da UE. É verdade que Macron apostou numa mensagem corajosa a favor da UE que muitos consideravam politicamente suicida no clima atual, e venceu. Há suficientes optimistas e europeístas em França para dar um novo fôlego à União Europeia. Mas no debate decisivo com Marine Le Pen, Macron também deixou claro que ou o seu programa de reformas avançava na UE, ou daqui a cinco anos o nacionalismo radical de Le Pen seria imparável.

Macron ganhou um importante capital político no quadro europeu, até fala alemão, e tal como o atual governo português está disposto a pagar algum preço em termos orçamentais e de reformas para obter mudanças na UE. Isso dá-lhe provavelmente uma força negocial adicional no quadro europeu. Mas Macron lançou um desafio decisivo e difícil relativamente ao futuro da UE. Será que teremos um liderança forte e uma estratégia clara em Paris, e com isso a França a recuperar um papel liderante na UE? É possível, mas não é garantido. O que é garantido é que toda a política externa começa em casa. Ainda falta a Macron algum trabalho de casa. E que toda a política europeia exige amplas coligações de países e Macron terá de trabalhar nesse sentido.

A ameaça nacionalista e populista, a ameaça de de Putin e mesmo de Trump, representam para muitos na Europa, pode, no entanto, ser útil para dar nova dinâmica à UE. A integração europeia deveu muito do seu arranque na década de 1950 ao sentimento de ser necessário reforçar a coesão da Europa para enfrentar a ameaça da Rússia soviética o desafio interno dos partidos comunistas, e o temor de um renascimento da Alemanha. Alguns historiadores defendem que Estaline deveria ser considerado um dos pais fundadores da velha CEE, talvez Putin possa desempenhar esse papel na nova UE.

Uma vitória francesa de Antónia Costa

A política europeia do governo de António Costa alcançou uma vitória importante com a eleição de Macron. A sua mensagem reformista optimista sobre a França e relativamente à UE e o euro, aproxima-se de alguns dos objetivos mais ambiciosos da política europeia do governo de Lisboa, bem mais do que tem sido o caso do fraco presidente Hollande.

O que ficou evidente na reação do governo português à eleição de Macron é a forte aposta de Antónia Costa numa política europeia assente na consolidação de um bloco de países da Europa do Sul que, sem hostilizar abertamente a Alemanha, a querem pressionar a apoiar mudanças nalguns dos aspectos centrais da política até aqui vigente na UE. Não por acaso o Ministro Augusto Santos Silva esteve em Paris por estes dias, e deu uma entrevista à France 24 em que apelou a uma França forte e confiante na Europa.

E os tweets do primeiro-ministro português de parabéns pela vitória eleitoral Macron não deixam margem para dúvidas. Sublinhando que esta foi “uma boa notícia para a França, a Europa e Portugal”, e manifestando confiança de que ele será “um excelente parceiro” no “aprofundar das nossas excelentes relações bilaterais”. É também uma forma de o fazer sentir obligé, veremos até que ponto resulta.

Vale a pena a este propósito apontar para as memórias recém-publicadas de Varoufakis, muito críticas da maior parte das elites governativas da Europa, mas em que o ex-ministro grego sublinhou que Emmanuel Macron (que nessa altura era ministro da economia da França) tentou ajudar por várias vezes a Grécia, ao contrário dos seus colegas, e essas iniciativas foram vetadas pelo Presidente Hollande e pelo governo da Alemanha. Claramente não faltou coragem a Macron na seio da UE no passado.

Será que Macron irá ter agora coragem e eficácia como Presidente da França no seio da UE? Se Macron tiver um bom resultado nas legislativas francesas, e se ganhar aliados noutros países europeus, sobretudo na Alemanha, terá hipóteses de sucesso. O que parece seguro é que poderá contar com o apoio do governo de Portugal. Veremos se o governo de Portugal contará em contrapartida com um apoio sólida da França liderada por Macron.

 

Photo by ChiralJonCC BY 2.0

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Bruno Cardoso Reis

Researcher at CEI-IUL. PhD in International Security (King's College). Master in Historical Studies (Cambridge Univ.). Professor at ISCTE-IUL. Researcher at ICS-IUL and King's College.

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