A religião é uma causa do terrorismo?
Num artigo anterior analisámos a relação entre a democracia e o terrorismo, um debate reavivado com os recentes ataques terroristas na Europa e no Canadá. Estes atentados suscitaram também a discussão sobre o terrorismo e a religião, a qual abordamos de seguida.
Destacamos quatro aspetos.
- O debate sobre o terrorismo e a religião não é uma novidade e nenhuma religião é imune ao extremismo.
Os atos terroristas prévios ao século XIX, praticados por grupos como os Thugs, Assassinos ou Sicários-Zelotas, eram justificados em nome de uma religião, seja o Hinduísmo, o Islão ou o Judaísmo (na sua forma extremista). O caso de Megan Phelps-Roper também é ilustrativo. Em entrevista à PBS (2019), a ex-membro da Igreja Batista de Westboro, uma Igreja conhecida por atacar várias comunidades (i.e. LGBT, judeus, muçulmanos, católicos), com base em posições extremistas, explica:
You mentioned people seeing us as terrorists. And we were. We absolutely were out there to being terror to people. We believed the purpose of that fear was biblical [and] we would quote from the Book of Jude, “Of some have compassion, others save with fear”. So, our goal wasn’t just to cause pain needlessly. We thought it was the only way, the only hope for people (…).
- O 11 de Setembro de 2001 favoreceu a ligação entre o terrorismo e a religião.
É na sequência dos ataques do 11 de Setembro de 2001 (11/9), nos Estados Unidos da América, que a relação entre o terrorismo e a religião ganha um novo ímpeto, procurando-se avaliar o fundamento da conexão entre os dois fenómenos, especialmente com o Islão. A par de outras teorias “revisitadas”, como a teoria do choque das civilizações de Samuel Huntington (1993), a crença religiosa foi apontada como uma das principais explicações para o terrorismo do século XXI, nomeadamente o de tipo jihadista. Foi justificada com base no contexto histórico das décadas de 1980-90, pautado pela revolução iraniana, a invasão soviética do Afeganistão bem como pela narrativa ideológica da al-Qaeda (1988).
- A religião não é uma causa do terrorismo enquanto fenómeno isolado.
A religião é uma causa do terrorismo? A nível institucional, a resposta consiste em evitar associações. Para o Conselho de Segurança das Nações Unidas (2017), o terrorismo não deve ser associado a nenhuma religião: “Emphasizing that terrorism cannot and should not be associated with any religion, nationality or civilization”. A União Europeia, tal como estipulado na Estratégia de Combate contra a Radicalização e Recrutamento para o Terrorismo (2005), propõe a criação de um “léxico não-emotivo” “para evitar conexões injustas entre “Islão” e “terrorismo”.
A nível académico, o debate é controverso. Alex Schmid questionou diversos especialistas: “Na sua opinião, qual é, se existir, a relação entre “terrorismo” e “religião”? Se uns recusam a associação (“there is no relationship whatsoever”; “there is no necessary connection”), outros admitem a relação explicando que “os terroristas religiosos são os mais letais porque as suas ações são justificadas por um poder superior”. Para o Professor Richard English é importante deixar claro que “é um erro confundir tanto o Islão com o fundamentalismo islamista do 11/9 como ignorar a dimensão religiosa do jihadismo que desencadeou os ataques desse dia”. A religião pode contribuir para amplificar a violência terrorista ou, para alguns indivíduos, motivar a sua perpetração mas não é uma causa suficiente do terrorismo, enquanto fenómeno isolado.
- As motivações religiosas são importantes para o recrutamento.
Segundo os serviços secretos do Canadá, os jihadistas recrutam através de incentivos materiais (habitação, alimentação, dinheiro) e não-materiais, relativos às recompensas espirituais ou emocionais. Sobre estes últimos, Aimen Dean – um desertor da al-Qaeda que trabalhou como agente duplo para o MI6 – explica que, em parte, os jovens são aliciados para o Daesh com base na ideia da redenção, sendo a jihad pregada como o seu único meio de salvação face a uma vida desviante (a ocidental). Por isso, o antropólogo Scott Atran considera que um jihadista é um “ator devoto” (por oposição a um “ator racional”), ou seja, alguém que está disposto a lutar e a morrer por um compromisso sagrado. Trata-se de uma devoção incondicional a uma causa que, combinada com um forte espírito de combate, sobrepõe-se a qualquer recompensa material ou financeira.
PBS (2019). Megan Phelps-Roper on Leaving the Westbore Baptist Chruch – Transcript CSNU (20117). S /RES/2354 – Countering terrorist narratives. Conselho de Segurança das Nações Unidas. Conselho da UE (2005). The European Union Strategy for Combating Radicalisation and Recruitment to Terrorism. Conselho da União Europeia. Novembro de 2005. Schmid, Alex (2011) (eds). The Routledge Handbook of Terrorism Research. Oxon: Routledge.
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