CEI-IUL é Parceiro num Projecto de Combate e Prevenção do Corte/Mutilação Genital Feminina
No passado dia 23 de Novembro de 2016 ocorreu na Escola Superior de Enfermagem de Lisboa (ESEL) o lançamento da “Caixa Pedagógica de Imagens sobre Mutilação Genital Feminina.” O objetivo das associações que estiveram na génese desta iniciativa (P&D Factor, AJPAS, CNAPN), apoiada pela Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade de Género, é que esta “Caixa” se torne um instrumento fundamental na formação de profissionais de saúde sobre a mutilação genital feminina (MGF), embora o acesso a ela seja exclusivo a profissionais com conhecimentos e formação específica sobre o tema.
Dois dias depois, no dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres (25 de Novembro), assinalamos a data com o lançamento do website do projecto “Programa Académico Multisectorial para o Combate e Prevenção do Corte/Mutilação Genital Feminina (C/MGF),” um projecto do qual o CEI-IUL faz parte, ao lado de parceiros como a Universidade Rey Juan Carlos de Madrid, a Vrij Universiteit de Bruxelas, a Universidad Roma Tre em Roma com a Fondazione Angelo Celli, e Fundación Wassu, parte de um projeto transnacional que junta a ONG Wassu Kafo na Gâmbia e a Universidade Autónoma de Barcelona, e ainda, em Portugal, o Instituto Politécnico de Leiria.
Este é um projeto inovador, co-financiado pela Comissão Europeia, com o objetivo de promover a sensibilização, conhecimentos e competências dos futuros profissionais que estarão em contacto com as possíveis vítimas de C/MGF em Portugal, Espanha, Itália e Bélgica.
Partindo-se do princípio de que dar formação a profissionais no activo é muito mais difícil do que formar futuros profissionais, uma equipa pluridisciplinar de professores e investigadores desenvolveu um Guia Multisectorial para a Formação Académica, que estará brevemente disponível em 6 línguas, e que contém considerações teóricas, exemplos práticos, recomendações fundamentais, referências bibliográficas, e exercícios para avaliar as capacidades, valores e comportamentos dos futuros profissionais.
Nesta componente de Formação Académica estão igualmente previstas sessões de formação sobre C/MGF a alunos de Medicina, Enfermagem, Direito, Educação, Comunicação, Serviço Social, e Desenvolvimento em cinco Universidades-piloto nos quatro países do projecto. Estas acções assentam na ideia de que a formação de futuros profissionais é um elemento chave para garantir uma abordagem ao C/MGF efetivamente ancorada nos direitos humanos e sensível ao género e diversidade cultural.
O C/MGF é definido pela Organização Mundial de Saíde (OMS, 2016) como “todos os procedimentos que envolvem a remoção total ou parcial da genitália feminina externa, ou qualquer outra lesão aos órgãos genitais por razões não médicas.” A UNICEF (2016) estima que 200 milhões de mulheres tenham sido vítimas desta prática e que mais de 63 milhões de meninas possam vir a sê-lo até 2050.
O C/MGF é uma prática antiga que se enraíza em tradições baseadas em simbologias e significados culturais complexos. É, hoje em dia, praticado sobretudo em 29 países da África Subsariana, no Médio Oriente (Curdistão iraquiano, Iémen) e Ásia (Indonésia, Malásia, ou mesmo Índia). No passado foi também praticada na Europa, sobretudo para o controlo da sexualidade feminina e como tratamento para problemas do foro psiquiátrico; posteriormente foi banida do contexto da medicina moderna até que ressurgiu no último meio século como consequência das migrações. A prática do C/MGF também se globalizou e, actualmente, existe entre as diásporas a viver nos países ocidentais, tendo ganho uma enorme visibilidade nos últimos 20 anos. A prática é reconhecida internacionalmente como uma violação dos direitos humanos das mulheres e das raparigas, constituindo uma forma extrema de discriminação contra as mulheres.
O primeiro estudo sobre a prevalência do C/MGF em Portugal foi realizado entre 2014 e 2015 pelo CESNOVA/FCSH, coordenado por Manuel Lisboa, pelas investigadoras Dalila Cerejo, e Ana Lúcia Teixeira, contando também com o apoio científico de Alice Frade, uma antropóloga com uma longa dedicação às questões sobre o C/MGF em Portugal.
O ano de 2015 fica também marcado pela inclusão, em Agosto, do C/MGF no Código Penal Português enquanto crime público (artigo 144º-A), seguindo as recomendações da Convenção de Istambul, também conhecida por Convenção do Concelho Europeu para a Prevenção e Combate da Violência Contra as Mulheres e Violência Doméstica ratificada em 2011 por Portugal e outros 21 países, entre os 43 signatários. De onde se sublinha o artigo 12:
O C/MGF é um assunto extremamente sensível, complexo e também altamente politizado, que é impossível de compreender apenas através de definições ou classificações normativas, ou mesmo de delimitações geográficas.
De acordo com a perspetiva veiculada por este projecto, é absolutamente necessário manter uma atenção crítica à linguagem e categorias utilizadas para descrever o C/MGF, para evitar atribuições abusivas e generalizações fáceis, sendo sempre necessário analisar os contextos onde esta prática é uma realidade, bem como os diferentes papéis dos intervenientes. O foco na denúncia e indignação é muitas vezes contraproducente, porque estigmatiza comunidades inteiras à luz de uma prática cultural que, também ela, é diversa, tanto nas suas raízes como nos significados que lhes estão associados. A criminalização é uma estratégia política (num grande número de países) mas é apenas a última instância de todo um enquadramento – por exemplo, no caso português, existe um Plano de Acção Nacional que começa na prevenção e que envolve profissionais de diversas áreas e instituições.
Participam neste projecto os investigadores do CEI-IUL:
Clara Carvalho, coordenadora
Ricardo Falcão, gestor de projecto,
Marta Patrício, investigadora.
E ainda
Carla Moleiro, Directora do CIS-IUL
e Cristina Santinho do CRIA.
Texto redigido por Ricardo Falcão e Marta Patrício. Photo by MONUSCO / CC BY-SA 2.0
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.