China, essa desconhecida
Desde há 500 anos que Portugal e China beneficiam por se entenderem e de alguma forma saberem estar perto, estando longe. Se foram complementares entre comércio regional e transoceânico em tempos idos, porque não poderão agora entender-se?
Assinalam-se este ano os 40 anos das relações diplomáticas entre Portugal e a República Popular da China e os 20 anos sobre a transferência de soberania de Macau do primeiro para o segundo país. Contudo, a China mantém-se, em geral, como uma desconhecida no nosso país. Exceto algumas notícias esporádicas, pouco se sabe deste país com o qual Portugal tem mais de cinco séculos de relações, se bem que mediadas através de Macau, desde a sua fundação como território administrado por Portugal.
Com a presença portuguesa neste enclave da China, Macau tornou-se não só no mediador entre estes dois países distantes, como também o território onde se desenvolveu todo o conhecimento português sobre a China. A sinologia portuguesa está largamente ligada a Macau e parte do resultado desse conhecimento ali ficou, não tendo circulado até Portugal. Pelo território passaram intelectuais ilustres, alguns que acabaram por regressar a Portugal, mas que nunca encontraram interesse na receção do conhecimento que tinham adquirido por aquelas longínquas paragens. Para além de alguns ensaios e peças literárias pejadas de exotismo, tanto o interesse oficial como a atenção do público leitor português foram diminutos.
Ainda muito ligados ao sonho das descobertas e a um passado dourado pelo mar e pelas gentes distantes, os portugueses foram festejando a chegada à China, os primeiros contactos, mas pouco mais. Desta forma, justifica-se que mesmo durante o período da transição e quando se adivinhava a necessidade de salvaguardar a memória dos contactos luso-chineses, da parte portuguesa continuasse a existir a preferência por determinadas épocas relativamente a outras. Assim, celebraram-se e estudaram-se as décadas desde a ocupação de Macau, em 1557, até cerca do século XVIII.
Os séculos XIX e XX ficaram de fora, como parentes pobres e mal estudados, por não corresponderem a períodos de glória nem de Portugal nem da China. Estes dois séculos representaram períodos em que Portugal e China estão acicatados por sucessivas humilhações e perdas de influência internacionais. Contudo, constituem um período extraordinário de contactos e transferências de conhecimento entre os dois países. A tecnologia facilitava agora a deslocação das pessoas e entre Cantão e Macau florescia um novo entendimento entre os dois países.
É neste período que é criado o Expediente Sínico de Macau, uma instituição de referência sobre o conhecimento português sobre a China. É também o período em que Macau perde a sua hegemonia como entreposto ocidental, sendo substituído por Hong Kong. Mas também é o momento em que se estreitam laços, informações entre intelectuais e políticos, surgindo novos projetos editoriais e um novo entreolhar entre revolucionários republicanos portugueses e chineses.
Apesar da memória negativa deste período para ambos os países e mesmo para Macau, a verdade é que muita da proximidade que hoje existe e até alguma facilidade de interação entre portugueses e chineses se deve a esta época, que permitiu estreitar laços informais. Contudo, mantém-se o desconhecimento sobre a China que parece ter agora surgido na vida portuguesa e, sobretudo, associada aos novos investimentos na economia portuguesa e ao seu reforço, dada a recente intervenção externa no nosso país no seguimento da crise financeira. Mas afinal que país é este?
Leia o artigo no site d’O Jornal Económico.
Rua do Cunha, Macau / foto de Ming-yen Hsu / CC BY-ND 2.0 As opiniões expressas neste texto representam unicamente o ponto de vista do autor e não vinculam o Centro de Estudos Internacionais, a sua direcção ou qualquer outro investigador.
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