A Comunidade de Países Língua Portuguesa e a Memória dos Povos Lusófonos
Nos passados dias 3 e 4 de Maio a Comunidade de Países de Língua Portuguesa – CPLP levou a cabo uma série de iniciativas para assinalar o Dia da Língua Portuguesa. No cumprimento de uma agenda delineada para os anos 2014-2020, a CPLP colocou no centro do debate a questão do património, com relevo para a partilha de uma herança histórica e cultural, que tem unido no passado e no presente estes povos. Mas não quis ficar por uma abordagem mais tradicional ao elemento patrimonial, geralmente muito vocacionado para o património edificado. Deu um passo em frente e propôs a debate a preservação e partilha dos documentos escritos e orais contidos nos Arquivos e Bibliotecas Nacionais destes países, procurando a garantia de acessibilidade não só de estudantes e investigadores, mas também da população em geral.
Assim, no dia 3 de Maio decorreu a Sessão Solene do Dia da Língua Portuguesa, geralmente assinalada a 5 de Maio, em que tomaram a palavra a Dra. Maria do Carmo Silveira, Secretária Executiva da CPLP e o Embaixador Gonçalo Mourão, Embaixador do Brasil junto à CPLP, no exercício da Presidência pro tempore da organização. Ambos falaram do valor desse património fixado, na sua maioria, em língua portuguesa e que a todos nos diz respeito. Foi ainda promovida uma mesa redonda intitulada “Os Arquivos Históricos e as Bibliotecas Nacionais na preservação do legado histórico e cultural dos Estados-Membros da CPLP”, em que participaram o Ministro Guilherme Frazão Conduru, representando o Museu Histórico e Diplomático do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, e a Dra. Margarida Lages, representante do Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal. Para além de ter sido apresentado o Museu Diplomático do Brasil, uma experiência única no mundo, pelo menos com a dimensão que ali tem, foi também refletida a importância dos espólios à guarda destas duas instituições e do seu interesse para a história comum destes países. Tendo a sessão sido aberta a debate, foram naturalmente surgindo questões que têm a ver com a necessidade de um melhor conhecimento mútuo, mas também de uma cooperação efetiva na sensibilização para a preservação e partilha do património documental da CPLP.
O dia seguinte, 4 de Maio, sob o lema “A preservação do legado histórico e cultural dos Estados-membros da CPLP”, foi dedicado à discussão de temas como a preservação, partilha e cooperação técnica no seio da CPLP, sistemas de arquivos e acessos partilhados, cooperação entre bibliotecas nacionais e harmonização de procedimentos, redes de bibliotecas nacionais e partilha de documentação no espaço da CPLP. Foram realizados quatro painéis e estiveram presentes instituições representativas de quase todos os estados da CPLP: os arquivos nacionais de – Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e o Arquivo Histórico de Ultramarino de Portugal; as bibliotecas nacionais de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Portugal e a biblioteca do Instituto de Higiene e Medicina Tropical; e, ainda, algumas instituições privadas com arquivos e bibliotecas representativos: Fundação Mário Soares, Fundação Portuguesa das Comunicações e a Caixa Geral de Depósitos. No final, foi apresentada a exposição “Arquivo Virtual Comum”, organizada pelo Grupo Internacional de Estudos da Imprensa Periódica Colonial do Império Português (GIEIPC-IP).
Este evento constituiu um ponto de reflexão, conhecimento e troca de impressões entre todos os participantes. Enquanto moderadora de dois painéis, pude usufruir dos trabalhos enquanto participante. Como balanço é muito notória a vontade de cooperar no seio das bibliotecas e arquivos dos diferentes países e a necessidade de trocar experiências e convergir nas práticas de preservação e salvaguarda comuns, bem como, de partilha. Para além da promoção do conhecimento dos espólios de cada país e instituição, foram recomendadas atividades, como exposições, festivais culturais e partilha virtual de património, no sentido da divulgação das culturas dos povos que se exprimem em língua portuguesa. A Diretora-Geral da CPLP, Georgina Benrós de Mello, deixou a mensagem de compromisso para levar estas considerações a discussão no seio da organização, no sentido de poderem a vir a ser tomadas orientações que garantam uma mais fácil cooperação entre estas instituições.
O que fica deste encontro não são só as vontades técnicas e políticas, fica também a certeza que existe no conjunto destes países uma visão comum relativamente à cultura e história que nos liga, umas vezes, e nos separa, outras vezes e, também, no que respeita a esta língua partilhada. O português foi língua de afetos, mas também de conflitos e desentendimentos, e há que reconhecer todas as faces da moeda. Contudo, também foi uma língua de construção de relações, de conhecimento entre povos e de expressão da diversidade. Este encontro trará decerto os seus frutos, nas relações pessoais que fomentou, na troca de experiências que proporcionou e, sobretudo, porque nos permitiu a todos falar das nossas realidades e dos nossos fantasmas. Espera-se que no futuro breve, traga também o compromisso dos estados para dar resposta a esta demanda que a sociedade civil já reclama. E, nesse sentido, a CPLP atingiu os seus objetivos: levar as considerações técnicas e os sentimentos dos atores deste processo de guarda da memória à fala e à partilha.
As opiniões expressas neste texto representam unicamente o ponto de vista do autor e não vinculam o Centro de Estudos Internacionais, a sua direcção ou qualquer outro investigador.
Photo by CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
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