«Adeus Dhlakama»: que impactos na política moçambicana?

A morte por complicações de saúde,no passado dia 3 de Maio e aos 65 anos de idade, de Afonso Marceta Macacho Dhlakama, há 38 anos líder da RENAMO (o maior partido da oposição), apanhou de surpresa um sem número de pessoas. As cerimónias fúnebres decorreram na cidade da Beira dia 9 de Maio e foram marcadas pela presença e discurso do Presidente da República, Filipe Nyusi, com quem Dhlakama estava em negociações directas para o fim do confronto político-militar, agudizado desde as últimas eleições gerais de 2014.

O falecimento de Dhlakama marca o início de uma nova era na política moçambicana. Para já, o impacto deste inesperado acontecimento pode ser visto em quatro níveis:

Impacto na RENAMO – Que liderança?

Comandante de guerrilha, Afonso Dhlakama assumiu a liderança da RENAMO, enquanto movimento militar, após a morte do seu primeiro líder, André Matsangaíssa, em 1979. Foi responsável pelo comando do movimento durante a guerra, as negociações do Acordo Geral de Paz de 1992 e durante o processo de transformação do movimento de guerrilha em partido político desde então, no pós-guerra e no multipartidarismo.

A sua liderança foi caracterizada por uma forte centralização do poder na sua figura e controlo pessoal apertado do partido, incluindo a marginalização/expulsão de membros que, depois, formariam partidos políticos (veja-se os casos de Raul Domingos ou de Daviz Simango).

Um dos resultados desta forma de liderança de Dhlakama é que se desconhece o sucessor natural e pensado pelo próprio líder, o que, segundo Luca Bussotiou Michel Cahen, fragiliza o próprio partido, inclusive pelo surgimento de potenciais divisões internas. Sobre este ponto, Joseph Hanlon considera que as divisões na RENAMO serão semelhantes às ocorridas na FRELIMO, isto é, assentes na idade, região e relações com os militares. Desde logo, o ADN militar continua a ser bastante vincado no partido. E não esquecer, como Elisabete Azevedo refere, que a grande popularidade da RENAMO encontra-se na zona norte e centro do país, longe de Maputo. Para Severino Ngoenha ou Alex Vines existe um risco de fragmentação real da RENAMO. Desde já, duas alas compõem ainda o partido: a ala civil/política e a ala militar.

Para já, Ossufo Momade, tenente-general, nascido na Ilha de Moçambique em 1961, chefe do departamento de defesa do partido, foi escolhido, de forma unânime, como presidente interino para coordenar a comissão política até à realização do conselho nacional ou congresso do partido, ainda sem data marcada. De acordo com Eric Morier-Genoud, esta nomeação é apenas temporária, mas Momade, enquanto general, parlamentar e negociador, pode ser considerado uma figura que casa bem as duas alas do partido.

Para além deste nome, dois outros são também apontados como potenciais sucessores: 1) Manuel Bissopo, nascido na Zambézia em 1967, deputado que é também secretário-geral do partido (em substituição do próprio Ossufo Momade), estando mais ligado às bases. 2) Ivone Soares, jovem nascida em Maputo em 1979, é sobrinha de Dhlakama e líder parlamentar do partido, tendo recebido o entusiasmo e apoio daqueles que anseiam  dar um rosto jovem, civil e moderno ao partido. Destaca-se ainda que desde a ida de seu tio para algures na Gorongosa, foi o elo de ligação com Dhlakama.

A sucessão de Dhlakama constitui, sem dúvida, um momento marcante na história da RENAMO. Em particular, permitirá ver o grau de democracia interna no partido na eleição de um novo líder, num calendário político tão apertado, com eleições à porta. Paralelamente ao processo em curso de reorganização das estruturas partidárias, é preciso, agora, eleger uma nova liderança. Este novo líder será importante para perceber não só o revestimento mais político ou militar do partido e a sua força daqui em diante, mas também, como próximo interlocutor, o próprio processo de paz.

Impacto nas negociações de paz – revés ou um desfecho positivo mais rápido?

O desaparecimento de Dhlakama ocorre num momento em que decorrem ainda as negociações entre a RENAMO e o governo de Nyusi, centradas no pacote de descentralização (eleição e estrutura dos órgãos provinciais, distritais e municipais), o qual, além do mais, tem motivado uma reação crítica da sociedade civil, e no desarmamento e integração dos efectivos militares do partido nas forças armadas e de segurança do Estado moçambicano. Aliás, duas matérias que ficaram pendentes no acordo de paz de 92.

Bastante se tem especulado sobre o impacto da morte do líder da RENAMO nas negociações de paz. A maior parte tem concordado que não terá um impacto negativo, podendo apenas implicar um outro ritmo, por não ser do interesse das duas partes colocar em cheque o processo de paz. Por exemplo, Luca Bussotti considera que “pode até acelerar o processo porque a Renamo quer desencadear a sua campanha eleitoral sem grandes constrangimentos.” No entanto, importa referir, em linha com José Jaime Macuane, que estamos perante uma mudança radical do cenário político, dado que Dhlakama era a “contraparte central” de um processo, por si só, muito “centralizado em pessoas.”

Com a morte do interlocutor carismático existe o risco do governo e da FRELIMO endurecerem ou tornarem as suas posições menos flexíveis durante as negociações, inclusive rejeitar o pacote de descentralização em sede parlamentar? Para já, o discurso tem ido no sentido de levar avante o que já foi acordado. Mas este será, definitivamente também, um teste à liderança de Nyusi.

Impacto no Governo: que reacções e o que está em jogo?

Desde o início, que a governação de Filipe Nyusi acontece num momento sério de crise política e económica no país. Ao nível político, está em jogo a própria liderança de Nyusi, já que se espera da sua presidência a resolução do conflito com a RENAMO, cujas negociações, ademais, têm suscitado críticas de alguns hardlinersdo seu próprio partido pelo seu carácter flexível.

A reacção imediata do Presidente da República à morte de Dhlakama foi de tom emocional e pouco formal (“estou muito deprimido”), tendo evidenciado o seu esforço em ajudar o líder da RENAMO a receber tratamento médico. De certo modo, este seu discurso pode ser interpretado como uma forma de afastar especulações em torno de uma eventual aplicação da “Fórmula Savimbi” ao conflito. Por outro lado e dado que as negociações representam um grande teste à sua presidência, o discurso de Nyusi tem enfatizado a necessidade de manter todos no trilho das negociações.

Destaque-se ainda o discurso do Presidente Nyusi nas cerimónias funébres de Dhlakama, o qual assente na eminência da construção da paz e da prossecução do trabalho já feito nas negociações, reafirmando a sua disponibilidade para concluir o processo de desmobilização e reintegração dos combatentes da RENAMO, e não deixando de salientar as últimas palavras de Dhlakama, de que o processo de paz não pode falhar e que sua partida prematura não deve ser um revés.

O discurso da FRELIMO tem ido no mesmo sentido, ou seja, de tom também emocional e de reconhecimento do papel do líder da RENAMO, como “parceiro estratégico para a paz e estabilidade do país.”

Com as eleições autárquicas em Outubro deste ano e as gerais no mesmo mês em 2019, estão em jogo também os resultados da FRELIMO. Desde logo, podemos dizer que a RENAMO tem capital para conseguir mais votos nas autárquicas.

Impacto nas Eleições: enfraquecimento ou fortalecimento da RENAMO?

É difícil aferir que impacto terá a morte de Dhlakama nas próximas eleições de Outubro deste e do próximo ano. Muito dependerá do processo interno de sucessão e do líder escolhido. Para já, existe a opinião de que a RENAMO tem capital, muito dele fruto das próprias negociações de paz e da crise económica que assola o país, de conseguir bons resultados nas autárquicas de Outubro próximo. Já no que diz respeito às gerais de 2019, muita água irá correr no moinho, mas os resultados destas também dependerão das negociações, da nova liderança do partido e dos resultados eleitorais das autárquicas.

Por outro lado, será interessante ver se o partido pós-Dhlakama terá uma estratégia de coligação com outros partidos para fortalecer a sua posição e se seguirá uma estratégia de reunificação da família, procurando trazer de volta os membros marginalizados e ou expulsos.

Em suma, a incerteza que a morte de Dhlakama gerou marca o atual cenário político moçambicano. De resto, este evento significa uma nova dinâmica no processo de transformação da RENAMO em partido político desde 1992 e, necessariamente, com implicações no processo de pacificação e no próprio sistema político do país. Como tal, é, sem sombra de dúvidas, um caso a acompanhar, não só para os que se interessam ou estudam a política moçambicana, mas também para os que se dedicam ao tópico da transformação de movimentos rebeldes em partidos políticos (rebel-to-party transformations) em contextos de democracia pós-guerra.

As opiniões expressas neste texto representam unicamente o ponto de vista do autor e não vinculam o Centro de Estudos Internacionais, a sua direcção ou qualquer outro investigador.

Afonso Dhlakama (in the forefront) / Photo by João Santos Rita / VOA  / public domain

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

Cláudia Almeida

Researcher at CEI-IUL. PhD Political Science, Public Administration and International Relations (Universidad Complutense de Madrid). Research interests: elections, electoral violence, and processes of post-civil war democratization and peacebuilding in Africa. Previously visiting scholar at the CEA-Universidade Eduardo Mondlane, FCS-Universidade Agostinho Neto, ICS-Universidade de Lisboa.

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