Covid-19 e o fim da Europa
A estratégia europeia de enfrentar esta crise com a segunda receita (a primeira foi o incentivo à despesa por parte dos Estados em risco) aplicada à crise de 2008, isto é, de austeridade, repetindo, assim, a guerra Norte-Sul, a partir de uma narrativa ideológica de “Estados responsáveis versus Estados irresponsáveis”, é uma catástrofe maior do que a devastação humana, social e económica resultante da pandemia. Isto porque se a narrativa dos “Estados irresponsáveis” conquistava, à época, algum eleitorado, fazendo respaldo, em parte, na gestão dos países do Sul da Europa, presentemente, tal narrativa responsabiliza os países mais afetados pelo vírus do Covid-19 pelos efeitos sociais e económicos do mesmo. Não é de estranhar que António Costa tenha reagido de forma tão veemente às declarações do ministro das Finanças holandês.
Este tipo de raciocínio assume uma aura de “pretexto” que alavanca a dissolução do projeto europeu.
Isto porque, a Holanda, a Finlândia, a Alemanha e a Áustria, são países de identidade isolacionista ou com governos que expressam uma ideologia anti comunitária. A xenofobia e a desconfiança face aos países economicamente periféricos passaram a incorporar a ideologia de governo. Uma ideologia que desconsidera o desnível entre Estados-membros como fator de risco, desnível esse presente nas dificuldades geradas pela política monetária comum.
Assim, a ausência de uma estratégia de recuperação de natureza conjunta e elaborada tendo em vista as circunstâncias particulares dos eventos, livre de um neocolonialismo doméstico europeu concretizado em procedimentos de resgate, trará duas saídas à Europa: um ressentimento e deterioração das relações multilaterais, em resultado da implementação do modelo de intervenção-austeridade, que ao desconsiderar a circunstância da crise assume a tal feição neocolonial doméstica; ou o fim do projeto comum, com o encerramento das fronteiras, dissolução de acordos e extinção da moeda única.
Este cenário servirá para pensar a lógica multilateral e a cooperação como fruta da época do fim do muro de Berlim. Uma expectativa pueril de uma Europa conjunta.
As sombras sobre Bruxelas começam a notar-se. É tempo de líderes fortes, não apenas na Europa, mas nos países decisores. Num contexto de crescimento de soluções populistas e nacionalismos, ideologias xenófobas e racistas, onde estão esses líderes que colocarão a lanterna no final do túnel?
As opiniões expressas neste texto representam unicamente o ponto de vista do autor e não vinculam o Centro de Estudos Internacionais, a sua direcção ou qualquer outro investigador.
Foto de Marco Verch / CC BY 2.0
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