Da Segurança Global na defesa da “Mãe Terra”
LAUDATE SI’
Papa Francisco alerta: temos de cuidar da “Mãe Terra” porque “não há espaço para a globalização da indiferença”. Na sua Encíclica Laudate Si’: Sobre o Cuidado da Casa Comum consegue chamar a atenção de muitos sobre um problema gravíssimo que demasiados ignoram, ou se não ignoram, desvalorizam. Há muito poucos que não acreditam, mas ainda assim, surge aqui e ali tentativas de partidarizar, ridicularizar, apoucar, uma questão global e existencial. O equilíbrio ecológico do planeta é essencial para a nossa segurança global.
Por isso trago a Encíclica de Francisco. Não é escrita apenas para Católicos, mas para todos em todo o mundo. Há reflexões religiosas que cada um pode tomar na medida da sua fé e entendimento, mas o Santo Padre tem uma forma, diria magistral, de explicar o que se passa, para onde vamos e o que temos de fazer.
Esta Encíclica consegue resumir os alertas de milhares de cientistas em linguagem muito humana e próxima, assertiva e completa. Consegue retirar o essencial dos alertas das principais Organizações Internacionais desde a ONU, a União Europeia à NATO, que passam anos e gastam milhares de páginas a explicar a gravidade do problema sem que se tenha conseguido muito mais do um acordo em Paris. Paris foi importante, mesmo que alguns o ameacem abandonar, mas não chega.
Permitam-me que destaque algumas das ideias chave da Encíclica (entre parênteses, assinalo a página respetiva na sua versão em português):
SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM
Foi escrita com a contribuição de inúmeros “cientistas, filósofos, teólogos e organizações sociais” (7) tendo assim, se por acaso necessitasse, o valor científico base. A degradação ambiental afeta principalmente os mais pobres dos pobres, as regiões mais desfavorecidas do planeta, em especial, em África (13) e a escala desta destruição é “inédito para a história da humanidade” (17). Cruza as reflexões das alterações climáticas com os movimentos e crescimentos populacionais onde “um quarto da população mundial vive à beira-mar (…) a maior parte das megacidades estão situadas em áreas costeiras” (22) enquanto alerta para o evidente aumento do nível das águas e do degelo. Não é um problema dos seres humanos, é causado por eles, mas afeta todas as formas de vida no planeta (23). O perigo de privatizar recursos essenciais como a água potável (26) e a inevitável escassez de alimentos (27) traduz-se no perigo de “perante o esgotamento de alguns recursos, se vá criando um cenário favorável para novas guerras” (45).
Faz um diagnóstico completo à perda das florestas, à poluição, aos oceanos, ao efeito estufa “anidrido carbónico, metano, óxido de azoto e outros” (21), analisa os grandes espaços como a “Amazónia e a bacia fluvial do Congo” (31) e descreve como se afetam as inúmeras espécies do planeta. Termina a sua Encíclica com propostas concretas de solução (127 em diante) desde que haja um “indispensável diálogo entre as próprias ciências” (154).
Há passagens elucidativas que relevo: “São Francisco pedia que se deixasse sempre uma parte do horto por cultivar para aí crescerem as ervas silvestres” (12) para assim se entender e apreciar a beleza natural e em estado selvagem. Critica habilmente aqueles que, de forma imprudente, tentam desvalorizar o problema das alterações climáticas porque a “verdadeira sabedoria, fruto da reflexão, do diálogo e do encontro generoso, não se adquire com uma mera acumulação de dados, que, numa espécie de poluição mental, acabam por saturar e confundir” (36) e aponta o dedo a quem “defende que a economia atual e a tecnologia resolverão todos os problemas ambientais, do mesmo modo que se afirma, com linguagens não académicas, que os problemas da fome e da miséria no mundo serão resolvidos simplesmente com o crescimento económico” (85).
No fim a mensagem é clara: “a falta de preocupação por medir os danos à natureza e o impacto ambiental das decisões (…) dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza” (91). Para mudar tem de se querer mesmo mudar e “não haverá uma nova relação com a natureza, sem um ser humano novo” (92). Não se obterá um “desenvolvimento sustentável sem uma solidariedade intergeracional (…) e uma renovada solidariedade entre os indivíduos da mesma geração” (122). Francisco conclui: “As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia” (124). É um assunto demasiado sério.
FRAMEWORK FOR FUTURE ALLIED OPERATIONS (NATO)
Em abril de 2018 saiu um dos documentos estruturais da Aliança Atlântica que aborda as melhores formas da NATO evoluírem para responderem às Ameaças e Riscos, atuais e futuros. O ambiente internacional tinha sido publicado no final de 2017 – Strategic Foresight Analysis e a referência é clara: “Changes to the climate impose stresses on current ways of life, on individuals’ ability to subsist and on governments’ abilities to keep pace and provide for the needs of their populations” (p. 9). É um risco global, transversal e multidimensional porque afeta tanto o cidadão comum como o governo e o sistema que o suporta.
Sem entrar em análises muito detalhadas apenas relevo que o assunto das alterações climáticas, as evoluções e concentrações demográficas, a corrida pelos recursos e a defesa dos bem-comuns, ocupam grande parte da análise do ambiente internacional futuro e do leque das possíveis respostas dos aliados.
Foi com base nesta perspetiva que António José Telo, João Vieira Borges e eu, tentámos combinar os alertas das mais eminentes ameaças e riscos globais para apresentar um leque das possíveis respostas por parte dos Estados e das Alianças de Estados. Chamámos ao livro “Dar uma razão à força e uma força à razão” por forma a antecipar formas de usar corretamente os vários instrumentos do poder. Para, de forma coerente e coesa, responder. Porque o assunto é grave e necessita, tal como afirma o Santo Padre, respostas de todos nós, delineámos uma “Estratégia da Coesão” que apresenta coerência e propõe uma atuação concertada desde o indivíduo até às Organizações Internacionais e Globais.
EM SÍNTESE
Francisco alertou, alerta e vai continuar a alertar. Temos de cuidar da “Casa Comum”, da “Mãe Terra”.
No início do mês de julho foi publicado, na revista Nature Geoscience, por parte de investigadores de 17 países, mais um alerta demolidor que avisa que os efeitos das alterações climáticas podem ser muito mais rápidos, exponencias e alterar profundamente o nosso planeta. Os cientistas avisam que o aquecimento global pode ser mesmo duas vezes pior do que o inicialmente estimado e que o nível das águas do mar poderá atingir uma subida de seis metros, independentemente de se cumprir ou não o Acordo de Paris (ver resumo em português aqui) .
Podem estes cientistas estar errados? Podem, mas como afirma Francisco:
“As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia”.
As opiniões expressas neste texto representam unicamente o ponto de vista do autor e não vinculam o Centro de Estudos Internacionais, a sua direcção ou qualquer outro investigador. Photo by Thomas Hafeneth on Unsplash
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