Drama na Síria: a Face Visível de um Drama Maior
É humano. Vemos um drama e queremos que ele acabe. Enquanto nos centramos num grande drama há uma tendência em esquecer outros dramas, relacionados ou não, que vão ocorrendo sem os sentirmos como parte de um drama maior, ou melhor, de um drama e de uma gravidade muitíssimo maior.
O ‘grande quadro’ da Síria
A desagregação Síria (porque não é só guerra ou conflito) tem causas: ocorre por motivos climáticos, porque houve migrações e refugiados, por graves disputas políticas internas, pelo terrorismo transnacional, pela criminalidade organizada, pela ingerência e apetência internacional, e por muitas outras razões. Mas, de todas as causas, efeitos, e relatos de múltiplas violações de direitos humanos que aí ocorreram nos últimos cinco anos, agora, porque todos falam de Aleppo, tendemos a não ver o ‘grande quadro’.
Há Mossul, Kirkuk, e Aleppo. Há múltiplos atores com variadíssimas agendas e interesses divergentes. Há conflitos por cima de outras guerras, como no Iémen, na Líbia, no Afeganistão, na Nigéria ou na Somália que se somam às grandes causas, aos terríveis efeitos, que estão em si relacionados mas que, por motivo do interesse dos principais atores, são sentidas como menos dramáticas dos que as que a televisão transmite e a oportunidade permite. Pelo meio, tanto dentro das cidades e perto das câmaras das TVs, como longe das cidades e escondidos nas dunas, há milhões de seres humanos que fogem, que se escondem, que sofrem, que morrem e vêem morrer, que gritam e são pouco ouvidos.
O que fazer depois?
Há um drama horrível a decorrer perante todos, em Aleppo, em Mossul, trocam-se acusações necessárias entre atores de um jogo maior e, devemos dizer, ainda bem, porque atentados contra os mais básicos direitos humanos, não podem nunca ser tolerados, venham de onde vierem. Mas o que não se pode permitir é que se esqueça, também, o drama maior de toda uma conflitualidade que grassa, se alastra, e não diminui. Que alguns sucessos territoriais entretanto alcançados, embora significativos e importantes, não façam esquecer o mais importante de tudo: o que fazer depois. Das garantias que damos a quem vive nas áreas ocupadas depois de reconquistadas.
Teremos aprendido com as lições do passado e podemos afirmar que estão pensadas soluções para edificar paz e governação para as próximas duas gerações? Saberemos evitar vinganças, retaliações e retornos à luta armada depois de passado o efeito CNN? Há ódio no ar. Quando mais precisávamos de acordos e cooperação internacional, quando é tão necessária a determinação em prosseguir esforços continuados no apoio aos que lá estão, aos que lá ficarão, aos que fugiram e vão voltar, aos que nunca mais quererão voltar, exige-se um planeamento holístico, multidimensional, da parte diplomática, da garantia da defesa e da segurança, do apoio económico, da estruturação social, da reabilitação da educação, do apoio local, regional e internacional.
Hoje sabemos que, nos múltiplos conflitos mal resolvidos das últimas décadas, pouco ou nada se fez depois de se cantar ‘vitórias apressadas’. Aleppo é a face visível de um drama muito maior, é a cidade dilacerada, destruída, e em profundo sofrimento que nos dá a dimensão do que se tem de fazer e, acima de tudo, do imenso que se terá de fazer, nas próximas décadas, para que milhões de pessoas possam saber o que é viver com a dignidade mínima de se chamar, e sentir como, ser humano.
Aleppo em ruínas, Photo by Zyzzzzzy / CC BY 2.0
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