Filipe Vasconcelos Romão: “Houve conflitos violentos com mais diálogo do que o catalão”
O professor de Relações Internacionais na Universidade Autónoma de Lisboa e no ISCTE-IUL, Filipe Vasconcelos Romão, fala ao DN dos cenários eleitorais na Catalunha e do papel-chave que pode desempenhar o Podemos.
Face a uma ausência de diálogo, Filipe Vasconcelos Romão não descarta a possibilidade de novas eleições por falta de acordo. O professor lança hoje às 18.30, na Livraria Almedina (Saldanha), o livro Espanha e Catalunha: Choque entre Nacionalismos.
Conclui o seu livro dizendo que “A independência da Catalunha num contexto de normalidade é, hoje, uma causa impossível.” Que impacto terão então as eleições?
Tudo depende do resultado e da maioria que se conformar e da forma que for possível, ou não, fazer um governo. Se houver uma vitória clara do nacionalismo catalão é muito difícil que essa vitória não seja vista como uma certa legitimação nas urnas do processo independentista, mesmo com todos os seus erros, ilegalidade e inconstitucionalidade, que é hoje assumida quer pelos próprios conselheiros que estiveram detidos, quer pela generalidade da sociedade espanhola e uma boa parte da sociedade catalã. Há, no entanto, outra parte da sociedade catalã que está profundamente descontente com a atuação de Espanha e não vê com agrado esta entrada das instituições espanholas nas instituições catalãs e isso poderá fazer com que uma parte do eleitorado, mesmo que não satisfeita com uma deriva mais radical como a que assistimos nos últimos meses, opte por formações nacionalistas catalãs. Num cenário em que os independentistas conseguem mais de 50% dos deputados e, numa situação limite, mais de 50% dos votos, algo que é pouco provável, Madrid teria um problema para resolver. Porque teria de continuar, à partida, com a aplicação do artigo 155.º que teria sido censurada nas urnas. No entanto, todas as sondagens indicam que não é este o cenário em cima da mesa. O que temos é uma disputa entre os dois blocos por uma maioria simples, com um bloco intermédio, o do Podemos [na coligação Catalunya en Comú Podem], a ser na prática o king maker [fazedor de reis]. Quem vai determinar para que lado pende a balança.
E tende mais para que lado?
Do ponto de vista ideológico sente-se mais confortável com o nacionalismo catalão, porque do outro lado estamos a assistir no bloco espanholista a um ganho de força muito grande do seu principal rival que é o Ciudadanos. Rival pela novidade, porque foi um partido que também irrompeu quase em paralelo com o Podemos, apesar de ser um partido mais antigo foi nas eleições europeias de 2014 que se fez notar e depois nas eleições regionais de 2015. Por outro lado, do ponto de vista ideológico estão nos antípodas. O Ciudadanos abastece-se do eleitorado do PP, do eleitorado de centro-direito e direita conservador, tem um discurso claramente espanholista e até recentralizador em certa medida. E o Podemos alimenta-se do eleitorado da antiga Esquerda Unida e do PSOE. Portanto, parece muito pouco provável que o Podemos dê os seus votos para a formação de um governo liderado por Inés Arrimadas do Ciudadanos. Não obstante, também não é fácil o entendimento do Podemos com a CUP e a Esquerda Republicana da Catalunha, e com o próprio Junts per Catalunya, porque o Podemos percebeu que perdeu votos no conjunto do território espanhol. Todos os estudos de opinião em Espanha dão perda de votos pela indefinição em relação à Catalunha. Portanto, há algo aqui que não nos permite dizer para que lado irá pender. Todos os partidos têm de fazer cálculos não só a pensar na Catalunha mas também nas futuras eleições espanholas.
No livro fala do uso da Catalunha com motivos eleitoralistas…
Acho que houve duas pessoas que instrumentalizaram o problema catalão e que são, do ponto de vista do que está em cima da mesa, os principais culpados. Por um lado, o PP e Mariano Rajoy, quando estava na oposição ao PSOE, através do recurso para o Tribunal Constitucional do estatuto aprovado em 2006, que acaba em boa medida por ser cortado em 2010. Espanha vivia uma grande polarização em torno dos atentados do 11 de março de 2004 e a direita espanhola não via como legítimo o governo de Zapatero nem as negociações que decorriam com a ETA e pôs toda a carne no assador no sentido de conseguir dificultar a vida a Zapatero e ao PSOE. Depois assistimos também, do lado espanhol, a um imobilismo total com a questão catalã, pensando que a crise acabaria por lançar por baixo do tapete o problema catalão e por pacificar as águas. Não aconteceu.
Acho que houve duas pessoas que instrumentalizaram o problema catalão e que são, do ponto de vista do que está em cima da mesa, os principais culpados: Mariano Rajoy e Artur Mas.
E a outra pessoa a instrumentalizar o problema catalão?
Artur Mas, que enquanto presidente da Generalitat tinha sido um parceiro do PP entre 2010 e 2012 na aplicação das medias de austeridade na Catalunha. Não nos podemos esquecer que em Espanha os governos autonómicos têm uma grande margem para a aplicação de políticas sociais porque as competências em matéria de saúde pública, educação, cultura estão nas mãos dos governos regionais. Portanto, ao contrário de Portugal em que a austeridade tem uma cara que é a cara do governo central, em Espanha essa cara estava não só no governo central, mas diluída pelos vários governos regionais. Artur Mas percebeu que a austeridade estava a colocar em grandes dificuldades o seu governo de centro-direita nacionalista catalão e que a solução passaria pela mudança da agulha da crivagem ideológica em torno de esquerda e direita para uma clivagem identitária, para que o seu partido deixasse de ser visto como de centro-direita para passar a ser visto por um partido pelo direito a decidir e pela eventual independência da Catalunha. Com isto consegue que a carga da austeridade seja colocada sobre Madrid e que a discussão já não seja entre direita e esquerda, mas entre Madrid e Barcelona. Madrid a aplicar a austeridade e Barcelona a tentar uma via para a independência que a pudesse minimizar.
Leia a entrevista completa no site do Diário de Notícias.
Carles Puigdemont, President of the Generalitat of Catalonia. Photo by Chatham House / CC BY 2.0
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