60 mil polacos numa marcha de extrema-direita. Porquê?

Se diminuir a taxa de desemprego ou manter uma sociedade culturalmente homogénea fizesse desaparecer as razões para alguém ser de extrema-direita, haveria sessenta polacos, e não sessenta mil, em manifestações destas.

Esta semana correram mundo as fotos de uma marcha nacionalista onde estiveram presentes sessenta mil polacos. Alguns eram neo-nazis — coisa espantosa num país que foi invadido e dizimado pelos nazis — outros ultra-conservadores, outros etno-nacionalistas identitários. Outros estariam lá para ver as vistas ou acompanhar o processo, como acontece noutros países em marchas que não sejam de extrema-direita; a questão é que, neste caso, participar numa marcha em que milhares de pessoas gritam “a Europa será branca!” parece aceitável. Porquê?

Não é por causa do desemprego nem das dificuldades económicas. A economia da Polónia cresceu em todos os anos desde antes do início do século. Estávamos nós em profunda crise, em 2011, e estava a Polónia a crescer cinco por cento. A taxa de desemprego na Polónia é de 4,7%; o problema da falta de trabalhadores é maior do que o da falta de emprego. Os salários crescem. A economia duplicou de tamanho desde a entrada na UE. E também podemos descartar dos habituais suspeitos as imposições de Bruxelas e da zona euro. A Polónia não faz parte do euro e é um dos países da UE que mais fundos estruturais recebe.

Uma vez percorridas as explicações favoritas de uma certa esquerda para a subida da extrema-direita, passemos às explicações favoritas de uma certa direita.

Será por causa do multiculturalismo? Perdão, o multiquê? A Polónia é, hoje, um país mais monocultural do que alguma vez foi. Praticamente todos os seus cidadãos são etnicamente polacos, e praticamente todos os polacos são católicos. Na marcha gritaram-se as habituais palavras de ordem contra os muçulmanos mas a verdade é que não há praticamente muçulmanos na Polónia, e muito menos a querer ir para lá. O mesmo vale para os refugiados: tal como os governos da Eslováquia e da Hungria, o governo da Polónia rejeita com alarido a ideia de receber refugiados da Síria (mesmo cristãos) no seu país. Na prática, não há refugiados da Síria a irem para a Polónia, e se fossem não demorariam muito tempo a atravessar a fronteira para a Alemanha. A multidão grita contra a ameaça de algo que não existe nem parece que venha a existir na Polónia.

Será então por causa do politicamente correto, do feminismo, do predomínio da esquerda? É claro que os participantes da marcha são contra tudo isso, mas é claro também que vivem no país onde podem ter menos razão de queixa de qualquer destas coisas. O espectro político na Polónia começa no centro-direita e acaba na extrema-direita; tudo o resto é residual. Se há politicamente correto é numa versão católico-conservadora que domina os media e uma boa parte dos horários de escola. E as feministas polacas afadigam-se a combater as sistemáticas tentativas para recriminalizar o aborto e a lutar por aquilo que no ocidente europeu já foi dado por adquirido há muito tempo, como o acesso à contracepção ou a educação sexual.

Leia o artigo completo no site do jornal Público.

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Rui Tavares

Researcher at CEI-IUL. PhD in History (École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris). Member of the European Parliament and rapporteur for refugee and human rights issues in Hungary (2009-14). Research interests: History; Portuguese cultural and political history; European Union history and theory.

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