Riccardo Marchi: “Quanto mais estudo o fascismo, menos aceito que o simplifiquem”

O investigador do CEI-IUL, Riccardo Marchi, foi entrevistado pelo jornal I, a propósito da publicação do seu mais recente livro sobre os percursos das direitas em Portugal entre 1976 e 1980.
É assumidamente contra a visão liberal do Ocidente. Porquê?

Isso não tem tanto a ver com a minha formação académica, mas sim com a minha formação intelectual própria. Desde miúdo, desde os 14 anos, sempre fui muito influenciado pela nova direita italiana e francesa. O conceito de Ocidente liberal não me pertence. A ocidentalização do mundo, a ideia de que chegámos ao topo do modelo perfeito em termos de valores e estrutura política, que daqui se pode irradiar para todo o mundo e que quem não reconhece essa superioridade é um atrasado – ou da encarnação do diabo -, essa visão não faz parte do meu esquema mental.

Aquele pacote NATO/União Europeia/globalização, não?

Isso é o pacote da direita liberal ocidental.

Que falhou hoje?

Não me parece que tenha falhado muito, porque está na ofensiva. Muitas vezes cria-se a ideia que está na defensiva, a ser atacado pelos obscurantistas do islão, mas na verdade continua na sua força expansiva, e não é só na Europa. A ideologia da crise permanente é uma estratégia para a sustentação desse sistema. Fazer as pessoas viver sempre com a ideia de que estamos em crise faz com que a ideia de “mudar o sistema” seja o último passo para abismo. É assim que se segura tudo como está. Desde que comecei a pensar que vivo sempre “em crise”: económica, militar, terrorista. Isto tem consequências no modo de pensar. Os mais novos vão pensar que não é possível encontrar alternativas porque o sistema que temos já está em dificuldades e não podemos causar mais problemas.

Porque veio para Portugal?

A ocasião foi o programa Erasmus. Desde jovem, como já disse, tive sempre interesse em estudar as ideologias políticas mais radicais, à esquerda e à direita, mas mais à direita. Pensei: “Estes tipos tiveram 40 anos de regime autoritário, talvez não seja um mau sítio por onde começar.” Depois entrei nas livrarias e não encontrei nada. Nem um livro. Um professor italiano deu-me o contacto do António Costa Pinto e ele foi impecável. Fiquei maravilhado porque lhe escrevi um email e ele convidou-me para almoçar – uma coisa impossível com um professor italiano.

Porque acha que não havia muitos livros sobre esse tempo nas livrarias?

Eu não acho que houvesse uma vontade de ocultar as coisas, acho que havia um desinteresse. Nem as pessoas de direita queriam escrever a sua própria história. Toda uma geração queria saber do fascismo histórico, dos anos 20 e 30, mas só o fizeram nos anos 90. Em Itália e em França fizeram-no 30 anos antes. Mas a minha geração, que podia ter estudado o fascismo dos anos 50, 60, esteve mais interessada na esquerda. A coisa estranha é que, quando publiquei o doutoramento em livro, o desinteresse no tema manteve-se. A minha ideia era criar uma rede de investigadores sobre a direita portuguesa e a verdade é que não apareceu ninguém.

Leia a entrevista completa a Ricardo Marchi no site do jornal I Online.

As opiniões expressas neste texto representam unicamente o ponto de vista do autor e não vinculam o Centro de Estudos Internacionais, a sua direcção ou qualquer outro investigador.
Photo by Henrik Ström / CC BY-SA 2.0

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Riccardo Marchi

Post-doctoral researcher at CEI-IUL. PhD in Modern and Contemporary History (ISCTE-IUL). Research interests: right-wing radicalism (political thought, parties and movements) and the relations between States and radical organizations in contemporary Europe.

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