Mário Soares e a Transição e Consolidação Democráticas

A transição para a democracia

No verão de 1975 Portugal esteve prestes a dividir-se em dois e o espectro de uma guerra civil era uma ameaça concreta. O confronto entre legitimidade revolucionária e legitimidade eleitoral atingira um pico e dos dois lados das barricadas faziam-se preparativos para um confronto que parecia inevitável. Desde cedo historiadores e cientistas políticos que estudaram este período da história contemporânea portuguesa chegaram à conclusão que este processo não pode ser analisado como um assunto meramente doméstico, no qual os actores nacionais agiram sem ter em consideração o contexto internacional que os envolvia, mas que também não devemos cair no erro de considerar que Portugal foi apenas palco de um confronto entre os dois blocos que dominavam o sistema internacional e que os portugueses foram meros figurantes de uma peça encenada por terceiros.

A discussão sobre a quem mais se deve o sucesso da transição democrática, se aos actores internos se aos externos, pode entreter alguns especialistas, mas o fundamental a reter é que o caso português constitui um paradigma de como essa divisão é artificial e simplista. Foi a articulação destas duas dinâmicas e a sua complementaridade que possibilitou a vitória daqueles que defendiam a instauração de um regime pluralista e a manutenção de Portugal no bloco ocidental sobre as correntes terceiro-mundistas ou de aproximação aos modelos do leste europeu.

Hoje somos tentados a considerar que as alternativas derrotadas não tinham viabilidade e que Portugal, situado no extremo ocidental da Europa, estava condenado, pela geografia, a permanecer um país ocidental. Acontece que a história está cheia de exemplos que mostram que não devemos confiar em qualquer tipo de determinismo.

É neste contexto que a acção desenvolvida por Mário Soares entre 1974 e 1976 assume uma extraordinária importância, pois o líder socialista personifica a interligação entre dinâmicas internas e externas, sabendo maximizar o seu papel e tirando partido de um conjunto de factores que fazem dele o principal responsável civil pelo sucesso da transição democrática portuguesa, que por sua vez abriu caminho para a chamada terceira vaga de democratização a nível global.

O percurso de Mário Soares

Desde a ruptura com o PCP, no início da década de 1950, Mário Soares teve como grande preocupação a criação e consolidação de laços externos. Pacientemente foi construindo uma rede de contactos internacionais que o ajudou a afirmar-se interna e externamente. Quando o Estado Novo caiu, em Abril de 1974, Soares, mais do que o Partido Socialista, era reconhecido a nível doméstico e internacional.

É esse reconhecimento que leva o presidente da Junta de Salvação Nacional, general António de Spínola, a convidá-lo para ir explicar às principais capitais europeias as alterações registadas em Portugal e, pouco depois, o conduz à chefia do ministério dos Negócios Estrangeiros nos três primeiros governos provisórios.

Nas Necessidades, Soares reforça as suas ligações externas e afirma-se internamente como o interlocutor privilegiado dos líderes europeus. Mesmo quando, após o 11 de Março, é forçado a abandonar a pasta dos Negócios Estrangeiros, é com Soares que os representantes diplomáticos dos países ocidentais trocam impressões e gizam estratégias.

O “Verão Quente” de 1975

Quando no Verão de 1975 a situação político-militar se encontra num impasse e o país vive em clima de pré-guerra civil, Soares é o polo de articulação entre as forças internas e externas que se batem pela afirmação da legitimidade eleitoral e pela manutenção do país no bloco ocidental[1].

A vitória alcançada em 25 de Novembro abre caminho para a aprovação da Constituição e as subsequentes eleições legislativas e presidenciais de 1976. O PS, que promove uma campanha sob o lema “a Europa connosco”, vence as eleições para a Assembleia da República e Mário Soares é primeiro-ministro do I Governo Constitucional, que tem como prioridade na sua política externa a aproximação à Europa. Mais uma vez Soares pode contar com o apoio dos seus parceiros da Internacional Socialista que lhe estendem a mão. A democracia era ainda muito frágil e eram vários os fantasmas que a ameaçavam. A Europa era a melhor garantia para a consolidação democrática.

[1] Sobre os apoios ocidentais aos socialistas portugueses ver David Castaño, “’A pratical test in the détente’: International support for the Socialist Party in the Portuguese Revolution (1974-1975), Cold War History, vol. 15, issue 1, 2015, 1-26. DOI: http://dx.doi.org/10.1080/14682745.2014.932349
Mário Soares in the Netherlands in 1975, next to Joop den Uyl, Dutch Prime Minister. Photo by Hans Peters - Anefo / CC-BY Nationaal Archief

CC BY-NC-SA 4.0 This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.

David Castaño

Guest author at Changing World. Post-doc researcher at IPRI-UNL. PhD in Modern and Contemporary History (ISCTE-IUL). Research interests: Portuguese democratic consolidation. Recipient of the Teixeira de Sampayo award (2005).

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