Publicado manual no âmbito do projecto de combate à mutilação genital feminina
Ricardo Falcão: “O trabalho maior não é apenas a sensibilização das comunidades, é a formação dos técnicos”
Escrito em seis línguas, entre as quais o Português, o Guia de Formação Académica Multissetorial (GFM) sobre Corte/MGF é uma ferramenta útil para quem lida com casos de Mutilação Genital Feminina. A P&D Factor falou com um dos muitos autores, o antropólogo e investigador Ricardo Falcão, que, embora atribua importância aos estudos já existentes sobre a prática, diz que são necessários estudos que liguem a realidade vivida pelas vítimas da MGF a aspetos como as questões socioeconómicas, as habitacionais, o acesso à saúde, à educação e ao entretenimento.
Foi publicado recentemente o Guia de Formação Académica Multissetorial (GFM) sobre Corte/MGF, de que o Ricardo Falcão é um dos vários autores. A quem se destina este documento de 190 páginas editado pela Dykinson Publishers?
O Guia Multissetorial foi concebido para dar apoio a formações sobre o C/MGF, no quadro do projeto MAP-FGM (Multisectoral Academic Programme to combat and end Female Genital Mutilation), sendo dirigido aos vários intervenientes. Por um lado, aos alunos, futuros profissionais de áreas estratégicas, onde poderão vir a lidar com casos de C/MGF. Por outro lado, aos professores das unidades curriculares, onde demos as formações, para que, no futuro, eles mesmos possam replicar o ensino de aspetos essenciais sobre esta prática.
Foi escrito em seis línguas. Quais?
O Guia foi escrito nas seis línguas dos vários parceiros do projeto: Português, Castelhano, Catalão, Flamengo, Italiano e Inglês.
Imagino que tenha sido necessário reunir uma equipa multidisciplinar para o escrever. Que especialidades estão aqui envolvidas?
É verdade, foi reunida uma equipa multidisciplinar, o que constitui uma das mais-valias do projeto. Penso que todos nós, na equipa, aprendemos muito em ouvir colegas de outras áreas, com outras abordagens. O processo é complicado e, por vezes, os diferentes posicionamentos ético-políticos condicionam o diálogo, mas, no fim, optámos pela liberdade de cada uma das pessoas que escreveu em ter a palavra final sobre aquilo escreveu. Isso foi conseguido à custa da aceitação de que o conhecimento sobre o C/MGF não é uma coisa só, mas uma pluralidade de perspetivas. As especialidades envolvidas são os Estudos de Género e o Feminismo, a Antropologia, o Serviço Social, o Direito, a Psicologia, a Obstetrícia, a Cooperação para o Desenvolvimento, a Comunicação.
A MGF há algum tempo que entrou na agenda política e já é falada na comunicação social. Partindo do princípio de que o tema já não é uma espécie de segredo de que só as comunidades praticantes tinham conhecimento, por que razão ainda há necessidade de publicar um Guia como este? Qual é a real importância deste documento, que, mais do que um Guia, é um verdadeiro tratado sobre MGF?
A necessidade de um Guia como este acontece porque foi identificada uma falta de conhecimento generalizada por parte dos profissionais envolvidos nos processos que envolvem mulheres vítimas de MGF. Apesar de ser um assunto que se tornou público, não quer dizer que o conhecimento sobre a prática se tenha tornado mais aprofundado. É possível que as opiniões e os posicionamentos em relação à prática se tenham tornado mais assertivos, mas isso não quer dizer que as muitas nunces que são precisas ter em conta estejam mais claras. Ser vítima de C/MGF na Gâmbia ou na Guiné-Bissau não é a mesma coisa do que ser vítima desta prática na Índia, na Colômbia ou Indonésia. Os contornos gerais podem assemelhar-se mas, antes de mais, o C/MGF é uma prática que existe em contextos específicos. Apontar isso não é dar espaço ao relativismo, mas, sobretudo, compreender que as pessoas que são provenientes desses contextos têm também sensibilidades específicas, moldadas pelas diferentes culturas urbanas e rurais, religiosas e outras.
Leia a entrevista completa no site da P&D Factor.
Local mayor from Burkina Faso, Rihanata Ouedraogo, speeching about ending FGM/C through education. Photo by Jessica Lea / CC BY 2.0
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